Congresso dos Autarcas do
PAICV
São Filipe, Ilha do Fogo, 9 a 11 de Novembro de 2012
Plenária 2:
Autarquias, Boa Governação e
Agenda de Transformação de Cabo Verde
Conferência proferida por
Jorge Tolentino.
1.
Julgo ser pacífico para todos que o
Poder Local é não apenas uma das marcas mais notáveis do nosso Estado de
Direito Democrático quanto, sobretudo, uma realidade pujante, palpitante. Com
efeito, num relativamente curto lapso de tempo, o país dotou-se de municípios
que funcionam, uns ainda mais jovens do que outros, mas todos com os
respectivos orgãos de gestão, os quais têm visto a sua legitimidade
periodicamente renovada mediante o livre exercício do poder popular de escolha
democrática.
2.
Em virtude dos resultados das eleições autárqicas recentemente realizadas
(a 1 de Julho), o PAICV responde pela gestão de oito municípios e tem, em mais
um, responsabilidade partilhada de idêntica natureza, além da substancial
representação nas nas demais assembleias municipais. Só isto basta como
testemunho da grande implantação do partido ao nível autárquico.
3.
Ora, num congresso que nem este, tenho por razoável indagar pelos modos
pelos quais o partido pode e deve afirmar uma marca muito própria de governação
dessas suas (entenda-se o possessivo) câmaras municipais. Ou seja, em quê e por
que vias essa governação pode e deve ser diferente? Mais, podendo e devendo ser
diferente, o quê é que porventura ainda não está inteiramente direito? O quê é
que porventura precisa ser corrigido?
4.
Tratando-se de câmaras do PAICV, para utilizar a expressão corrente, é
fundamental que nelas se reconheça o modo de ser e estar do PAICV. De ser e
estar na política e na governação. A natureza do PAICV como um partido de
causas e como um partido de valores e de princípios tem de ser reconhecível
nessa também sua frente de actuação que é a frente autárquica.
5.
Desde logo, um partido apostado na governação com ética, que é como quem
diz, na governação com um agudo sentido dos limites decorrentes da ética e da
actuação conformada pelo Direito. Num Estado de Direito Democrático, que é um
Estado servido por um exigente património de valores e regras, governar é um
exercício a um tempo difícil e nobre. Dificuldade que decorre dessa tensão
obrigacionista perante esses valores e essas regras; e nobreza que se
consubstancia no e se alimenta do dever irrenunciável de realizar o bem comum.
Este é, aliás, o fim último da governação: realizar o bem comum. E isto é
verdadeiro para todos os patamares da governação, do central ao local.
6.
Convem recordar e sublinhar que o PAICV é o responsável pela introdução na
semântica política destas ilhas do conceito de boa governação. Mas não apenas o
conceito. Na verdade, desde 2001 o partido tem tido a sagacidade e a entrega
suficientes para dar conteúdo a essa construção teórica. Dito de outro modo,
Cabo Verde, com a condução do PAICV, tem provado que também num país pequeno,
arquipelágico, vulnerável, sem recursos relevantes nos equílibrios
tradicionais, fortemente dependente do exterior, também aqui é possível governar
bem, realizando o bem comum.
7.
E há alguns aspectos relativos à boa governação aos quais parece-me
pertinente fazer referência nesta circunstância, ainda que de forma corrida. Antes
de mais, a boa governação é um conteúdo e é uma régua do Estado no seu todo. Ou
seja, ela não é um encargo exclusivo do Executivo, antes é um encargo que
impende sobre todos os ramos da realização do Estado – do parlamento às
autarquias, do Presidente da República ao poder judicial e às administrações
indirectas ou autonómas, e assim em diante. Ou seja, e para vincar, a boa
governação não é uma dimensão exclusivamente nacional ou central. Ela é um
“princípio de vida” para todos os patamares do Estado e para todos os seus
agentes. Por outro lado, a boa governação não se reduz a preocupações com os
equílibrios económicos ou tão-só financeiros. E faço questão de referir isto
porque não raro, mesmo entre nós, volta-e-meia ouve-se esta deriva redutora.
Como tive o ensejo de escrever, em 2002, no meu
contributo para “As Grandes Opções do
Plano – Uma Agenda Estratégica” (1),
um importante documento de leitura obrigatória para quem queira ter um sentido
de perspectiva do tratamento das questões atinentes à governação em Cabo Verde,
mormente considerando esse super exigente momento que foi o da gestão da tenebrosa
herança da década de 90. Nessa herança, o desregramento macro-económico e a
perda de confiabilidade no plano externo eram porventura as marcas mais
pungentes de uma gestão da coisa pública totalmente ao arrepio dos ditames da
boa governação. Ou seja, aquilo que hoje parece normal e até evidente na nossa
relação com os negócios da comunidade nacional na verdade não o era naquela
altura. Produziu-se uma ruptura, com o que de, ao mesmo tempo, corte e
proposição do novo existe nas rupturas. Com efeito, há um longo e substancial
caminho percorrido de 1 de Fevereiro de 2001 até à data de hoje. Trata-se de um
importante troço de caminho que, a seu tempo, será devidamente enaltecido por
quem se lance na elaboração da história da governação em Cabo Verde. Isto dito,
fecho o parentesis e passo a citar o documento que anunciei há momentos. “Para Cabo Verde, a boa governação não pode,
não deve ser um mero propósito. Bem pelo contrário, é o próprio Estado de
Direito Democrático, pela exigente dinâmica do seu património de princípios e
regras que impõe que a governação democrática seja, em toda a sua inteireza,
boa governação. Muito claramente: a boa governação é, para Cabo Verde, um
recurso estratégico. Impõe-se tirar dele o maior benefício na perspectiva de um
país desenvolvido, moderno, de solidariedade social e de plena realização da
dignidade pessoal.”
Há ainda uma outra marca identitária da boa governação
que desejo recordar aqui. Trata-se da responsabilização.
Vou, de novo, recuperar palavras desse texto de 2002: “E reside aqui uma fundamental implicação
ética: deve existir uma permanente congruência entre, por um lado, as
referências de conteúdo (os valores, os princípios, as regras) próprias da
Democracia e, por outro, as políticas do Estado. Não basta proclamar o Estado
como sendo democrático; seria contentar-se com a forma. É preciso que os
conteúdos imperem sobre a forma e, nessa medida, actuem como limites, como
parâmetro, como garantia em todo o transcurso do desempenho do Estado. Por isso
mesmo o Estado de Direito Democrático é um Estado de responsabilização. Se tudo
é feito em nome do povo, aqueles que sejam eleitos para o representar recebem
por esse modo não uma licença para o livre arbítrio ou para a impunidade senão
que um mandato para agir no interesse dessa “comunidade de destino” que é o
povo. Ou seja, um mandato para/ na Democracia, tendo presente os fins
essenciais desta: mais e melhor liberdade, mais e melhor igualdade, mais e
melhor justiça, mais e melhor solidariedade.
Desdobramento lógico da responsabilização é o princípio da transparência, o
qual, como linha mestra da actuação do Estado, propicia o ambiente necessário
ao exercício continuado do do controlo e à regular prestação de contas num
quadro de normalidade institucional. A própria afirmação do Estado de direito
impõe a implementação e/ou valorização de instâncias de controlo do exercício
da acção governativa”, a todos os níveis, do central ao local.
8.
Tenho para mim que o grande teste à boa governação em Cabo Verde será feito
ao nível do poder local. E isto é claramente um desafio. Não se perca de vista
que o poder local é aquele que mais directa e intensamente contacta com os
cidadãos, com os seus problemas, no dia a dia. A tensão entre as demandas e o
dever de resposta é muito mais forte. Há uma como que vizinhança que torna, do
lado do cidadão, mais apurada a percepção do grau de realização do bem comum.
Do lado da governação local é fundamental contribuir para a elevação dos níveis
de participação política dos cidadãos não apenas como um índice de
domocraticidade nas comunidades mas sobretudo como um factor real de controle
do exercício do poder e de reforço da cidadania e da coesão social. É essencial
que, por uns e por outros, a lógica da boa governação seja inteiramente
assumida ao nível local. Repito: como um “princípio de vida” das instituições e
dos seus agentes. E isto tem uma outra implicação que é a seguinte: é preciso
construir uma outra relação com o poder central. Uma relação sem lógicas de
dependência e de desconfiança, antes assente na maturidade de um diálogo
institucional em que cada um assume plenamente as suas responsabilidades. Uma
relação feita com verdade, sem margem para desresponsabilização alegando falhas
ou incumprimentos, reais ou não, da contraparte. Se porventura ainda existem
insuficiências no quadro legal regulador, elas devem ser supridas.
9.
Uma outra face do teste à boa governação local tem que ver com a realização
dos Objectivos de Desenvolvimento do
Milénio aprazados para 2015, o que significa que já não nos resta muito
tempo até lá. De acordo com as Nações Unidas, fazemos parte do pequeno pelotão
de países em condições de atingir esses objectivos dentro do prazo. E a verdade
é que eles, no seu conjunto, estão bem ao nosso alcance. Deve ser um ponto de
honra nacional realizar esse desiderato. O que significa que muito do desafio
depende do trabalho ao nível local. Basta pensar no primeiro desses oito
objectivos: erradicar a pobreza extrema e a fome. Cada município devia, na
transversalidade dos seus planos de trabalho, ter como princípio cimeiro atingir
esse objectivo. Outros objectivos estão ligados a esse primeiro. Por exemplo,
assegurar a educação primária universal, promover a igualdade de genero, diminuir
a mortalidade infantil... Não será que, de algum modo, estes objectivos são
condicionados pelos níveis de pobreza ainda existentes? Não haverá alguma
realidade silenciosa a comprometer os ganhos já alcançados? Será que está
assegurada a sustentabilidade desses ganhos? Penso que cada autarca deve
batalhar para que os ganhos e a sua sustentabilidade sejam garantidos no seu
respectivo território. É uma lógica de contributo para o resultado global. O
que me traz à memória a máxima bem ao gosto das Nações Unidas: pensar global, agir localmente. Ou seja,
e para fechar este tópico, muito do nosso sucesso na luta pelo desenvolvimento
e a modernidade vai depender da qualidade, da eficácia do trabalho no plano
autárquico.
10.Como quer que seja ou como quer que tenha vindo a ser, o
desafio que hoje nos deve mobilizar, em todas as frentes, é o da realização da Agenda de Transformação de Cabo Verde.
Veja-se que o país para o qual aponta tal Agenda é um
Cabo Verde que tem como adquiridos os ODM. Por economia de tempo, limito-me a enunciar
os sete objectivos estratégicos contidos na agenda. Mais à frente irei de algum
modo aproximar-me do conteúdo deles. Esses objectivos são os seguintes:
- Construir uma economia dinâmica, competitiva
e inovadora, sustentável, com prosperidade partilhada por todos;
- Fomentar o crescimento do sector
privado, do investimento e da produtividade;
- Promover o desenvolvimento e a
coesão sociais e facilitar o acesso aos serviços básicos;
- Capacitar os recursos humanos e
produzir conhecimento propiciador de crescimento económico;
-
Consolidar a Democracia, aprofundar as liberdades e reforçar a boa
governação;
-
Modernizar e estender as
infraestruturas;
- Afirmar a Nação Global e
desenvolver parcerias para a competitividade.
Outrossim, importa recordar a visão que sustenta toda essa
arquitectura estratégica: construir uma
nação inclusiva, justa e próspera, com oportunidades para todos.
11.De que maneira é que essa Agenda implica o poder local?
Admitindo que ela já esteja suficientemente divulgada ao nível das autarquias,
a questão é agora a sua efectiva assunção como referência e contexto para a
governação local. Desde logo, a agenda aponta para um outro ritmo de trabalho,
mais acelerado, mais preocupado com a produtividade e com ganhos reais e
duráveis para o desenvolvimento.
12.Aqui chegado, vou, e de forma muito sincopada, apontar
alguns aspectos que poderão ajudar a reforçar a relação com a Agenda de
Transformação.
a)
Antes de mais, os recursos humanos.
Uma decidida aposta autárquica na formação. Isto tem naturalmente a ver com a
juventude enquanto preocupação transversal ou injunção transectorial. Tem que
ver também com a afirmação da sociedade do conhecimento. Mas tem que ver ainda
com uma valência sobre a qual é fundamental insistir. Refiro-me ao adestramento
nas artes da governação autárquica. Uma clara aposta na formação de quadros
para a gestão (em sentido abrangente) dos municipios. É essencial impor, se
assim posso dizer, essa exigência à Escola de Governação. Julgo ser do
interesse nacional que Cabo Verde aposte num verdadeiro pelotão ou numa elite,
se preferirem, de homens públicos engajados com a boa governação autárquica.
Disto, veja-se dois desdobramentos práticos: um, a necessidade de uma cada vez
mais afinada capacidade de conceber projectos e atrair investimentos; dois, a
necessidade de assegurar cada vez mais elevados níveis de rigor na gestão da
coisa pública, e designadamente das finanças locais.
Concretamente
no que se refere à atracção de investimentos, mormente nestes tempos de
angústia ao pequeno-almoço, creio essencial maior intencionalidade nesta busca
de investimentos. Mais perspicácia. Mais coordenação também. Ou muito me engano
ou seria extremamente proveitosa, nesta matéria, uma cimeira dos municipios com
as Finanças e Planeamento e as Relações Exteriores. Clarificar regras, eleger
um código de conduta, estabelecer metas, fixar um quadro de responsabilidades e
de avaliação.
Não termino
esta referência aos recursos humanos sem sublinhar a importância, para cada
municipio, de contar com as suas pessoas-recurso (resource people). Não importa o seu local de residência, no país ou
no estrangeiro. O Importante é que estejam recenseadas, motivadas, disponíveis
a contribuir, ainda que à distância. Em rede, afinal.
b)
Em sintonia com a Agenda de Transformação, uma outra marca identitária da
boa governação autárquica tem des ser a garantia da inclusão social. Ou, dizendo de uma forma que a mim me reconforta
mais, garantir a cada cidadãos, a cada munícipe a segurança humana a que tem
direito. Isto tem ver com a luta contra as diferentes manifestações de exclusão
social e tem que ver, dito de forma positiva, afirmativa, com a realização das
condições que concorrem para o bem estar e a dignidade da pessoa humana. O
emprego, ou melhor, o direito ao trabalho, a saúde e a educação, a habitação
condigna, e assim em diante.
c)
E não me parece excessivo singularizar algo que, aliás, é essencial para o
futuro dos municipios, logo de Cabo Verde: a sustentabilidade ambiental. Desde o ângulo da preservação e boa
gestão do património ambiental ao saneamento, à política da água
(captação, distribuição, reutilização, poupança), às energias renováveis (os
municipios têm de sintonizar-se com as metas audaciosas já definidas neste
domínio), à gestão da poluição, designadamente dos resíduos sólidos e dos
ruídos. Na verdade, neste capítulo da cidadania ambiental, temos dois
grandes desafios, intimamente ligados à educação, e que são justamente, um, a
afirmação da cultura da poupança da água e da energia e, o outro, a luta
contra a poluição sonora. Neste particular digo luta porque há aqui muito
de demissão de exercício da autoridade do Estado. Demite-se de fazer cumprir a
lei. E assim vamos sendo uma sociedade do barulho e do desrespeito pelo direito
à tranquilidade e ao repouso. É preciso que o Estado se manifeste também na
contraposição a esta evolução negativa.
d)
E, ao dizer isto, estou a fazer a ponte para uma outra imagem de marca da
boa governação autárquica que é a segurança,
ou melhor, a garantia de comunidades nas quais impere a paz social. Comunidades que sejam menos do risco evitável e mais da
tranquilidade. E aqui vou apenas sublinhar uma dimensão muito mais positiva do
que o mero enfoque policial ou de polícia. Refiro-me à realização do enriquecimento
urbano. Mais iluminação pública, mais espaços de lazer e convívio social,
mais equipamentos de fruição colectiva, designadamente na área da cultura e dos
desportos, mais e melhores acções de envolvimento dos jovens, por exemplo em
campanhas de utilidade comunitária, mais decidida luta contra o consumo de
bebidas álcoolicas e de estupefacientes, mais e melhores transportes colectivos,
mais responsabilidade cidadã na circulação rodoviária. Cada vez mais atenção à
protecção civil. Mesmo a toponimia contribui para a qualidade da envolvência
urbana. Melhor policiamento de proximidade e assumção da ideia da segurança
como uma responsabilidade comunitária. Julgo importante que os municipios
assumam a sua responsabilidade no que diz respeito ao cumprimento do dever do
serviço militar obrigatório por parte dos seus jovens municipes. Mais ainda,
que sejam parceiros do Programa Soldado Cidadão, justamente como um programa
que devolve à sociedade jovens que, a mais de se formarem para a vida no
cumprimento do dever militar, adquirem uma habilitação profissional para o
mercado do trabalho.
Não desejo
concluir este tópico sobre os níveis de urbanidade e a qualidade da cidadania
sem dizer o seguinte: temos de promover uma outra relação com os bens públicos.
O que é público, o que é de fruição comum não deve ser delapidado. Deve ser
poupado, deve ser-lhe garantida longevidade. Quanto mais longa for a vida de um
autocarro para transporte de alunos mais tempo vamos tempo, ou seja, mais
recursos vamos tendo para construir um posto sanitário, ou beneficiar um
polivalente, ou, ou...
e)
Um outro aspecto a trazer à liça é o da vocação de cada municipio. Vocação económica, se se quiser. A
identificação dessa quintaessencia determina mesmo a natureza dos
investimentos, as apostas a fazer. Como quer que seja, parece-me correcto que
haja priorização dos investimentos, que haja uma judiciosa gestão das
expectativas em relação ao ritmo do crescimento e à natureza das demandas, que
haja uma lógica de sinergia entre os municipios. Há algumas dimensões que me
parecem incontornáveis. O empreendedorismo tem de ser uma bandeira de
todos os municipios. Em determinados municipios isso estará mais evidente, por
exemplo, no agro-negócio. Na empresarialização do sector agrícola. Mas em todos
eles a capacidade empreendedora deverá estar evidente, por exemplo, na promoção
do turismo. Do turismo interno. Com tudo o que isso traga de implicações,
a montante e a juzante, no plano das mentalidades, dos procedimentos, dos ritmos de trabalho e de resposta, enfim. É
urgente que haja mais intercomunicação e circulação entre os municipios. De
pessoas, de bens de toda natureza (dos culturais aos agrícolas), de
conhecimentos, de experiências, de boas práticas. Ainda há barreiras entre os
municipios, entre as ilhas. Parece que seria bastante útil que no formatação
destes Congressos de Autarcas se passasse a prever sessões de intercâmbio com
os municipes do municipio anfitrião. Sessões públicas, abertas. Seria um bom
contributo para a qualificação da participação política e da governação aberta,
em diálogo. Retomando o raciocinio relativo à vocação ou às vocações, pergunto:
por que razão um determinado municipio não poderá propor-se o desafio de ser
uma placa de excelência no domínio do Desporto. Assumido o desafio, haverá de
mover mundos e fundos nesse sentido. Veja-se que, sendo embora uma nação
maritima, ainda não agarramos a onda no que se refere aos desportos nauticos,
com uma perspectiva de futuro, sustentável. Ainda não estabelecemos o vínculo
entre o desporto e o turismo. Podemos e devemos ser, já pela localização e o
clima, uma placa de excelência na prestação de serviços aos desportos de alta
competição. Aos estágios, às preparações para eventos como os Mundiais, as
Olimpíadas, à medicina desportiva, maxime
a de reabilitação.
Quem tenha
boa memória há-de de reconhecer que não é a primeira vez que estou a dizer
estas barbaridades.
Felizmente no
que se refere à cultura, há caminhos que já vão ficando mais claros,
designadamente no tocante ao artesanato, à música, à rede de museus e biliotecas.
Mais claros ou mais assumidos. Gostaria de, neste contexto, acrescentar ou
atirar duas achas à fogueira. A primeira tem que ver com o mecenato. É
fundamental que, em Cabo Verde, se suba a fasquia no que diz respeito à
responsabilidade social das empresas. Elas estão a fazer menos do que podem e
devem. E estou a falar do mecenato em geral – do cultural, ao desportivo, ao
social, ao da sociedade do conhecimento, etc, etc.
A segunda
acha para a fogueira é a seguinte: cada municipio devia assumir, anualmente, à
vez, rotativamente, o estatuto de capital
cabo-verdiana da cultura. Seria uma forma de ir às canelas de certos mitos,
mas seria sobretudo uma forma de criar dinâmicas de investimento e de promoção.
E de aumento da auto-estima municipal. A ideia de capitalidade na cultura
pertence por inteiro e em igual medida a todos os municipios. Não há municipios
mais culturais do que outros, da mesma forma que não cidadãos mais donos da
cultura do que outros.
Uma nota
metodologica que vanço é a seguinte: para ser capital da cultura um municipio
não tem de fazer tudo sozinho. O importante, por exemplo, é que tenha ideias e
projectos e saiba concessiona-las. A concessão funciona também nestas matérias.
Como funciona também a lógica do risco. Saibamos enquadrar e estimular e
facilitar e deixemos espaço para os empresários, designadamente aos jovens
empresários. Há por este rio acima jovens exuberantes de ideias e vontade de
fazer, de mostrar que são capazes. Há que deixá-los fazer. O sucesso da Agenda
de Transformação passa necessariamente pelos jovens.
Não há
tirada mais obtusa e cretina do que essa que se utiliza nas ofertas de emprego:
“exige-se experiência comprovada”... Por mim, que comecei a trabalhar ainda
estudante do liceu, já vou querendo que se me exija experiência para ir para a
reforma.
f)
Já vou concluir. Não sem antes, todavia, fazer uma referência a esta ilha
do Fogo. Em primeiro lugar, dizendo o seguinte: o Fogo é uma alternativa ao
turismo de sol & praia. Não uma alternativa qualquer, mas sim uma alternativa
evidente e credível. A mais do vulcão e das possibilidades para o trekking, importa pôr a funcionar as
rotas ligadas ao café, ao vinho, ao queijo, à música típica, às festas
tradicionais, a começar pela da bandeira, à literatura oral, aos sobrados e à
história em geral da ilha. Há aqui um extraordinário potencial que centros
interpretativos bem montados ajudarão os turistas a apreciar. Sem esquecer o
turismo científico que potencia conferências e eventos de natureza similar
integrados nos circuitos internacionais. Há em tudo isto um magnífico filão
ainda por explorar. Ou seja, urge investir para transformar esta ilha num
destino turístico necessário. Há muita gente por este mundo fora a vender banha
da cobra; para além dos limites da mitologia clássica, só os cabo-verdianos têm
a felicidade de poder vender fogo.
Em segundo
lugar, tenho que esta ilha, pelas condições que reúne e pelo que tem feito
nestes anos de municipalismo democrático, deve transformar-se numa placa de
excelência em matéria de gestão autárquica integrada. Fazer dos très municipios
cá existentes uma autêntica aula viva, palpitante, de boa governação
autárquica. Um laboratório. O nosso Silicon
Valley da boa governaçao autárquica. Um destino para investigadores e gente
interessada em adestrar-se nas artes da governação. E, claro está, falar de
excelência é sempre falar de horizontes mais largos do que os nacionais. E vou
ainda um pouquinho mais longe. No dia em que (e esse dia acabará por chegar)
decidirmos avançar para a desconcentração dos ministérios, o Fogo estará
certamente na primeira linha para albergar o departamento responsável pela
gestão autárquica. Em pleno século 21, neste nosso país-arquipélago, com os
avanços tecnológicos de que já dispomos, chegará o momento em será indefensável
o crowding in dos ministérios na capital do país. Isto no
meu limitado entender, é evidente. E, de resto, já estou habituado a sempre estar
errado...
E com isto
concluo. Obrigado pela vossa paciência.
(1)
“As Grandes Opções do Plano – Uma Agenda Estratégica”, edição
da Chefia do Governo, Praia, 2002.
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