quinta-feira, janeiro 22, 2009

Neves enaltece Cabral

Na passagem de mais um 20 de Janeiro, o feriado nacional que Cabo Verde dedica a Amílcar Cabral e aos Heróis Nacionais, o Dr. José Maria Neves, Primeiro Ministro e presidente do PAICV, “reincide” no seu interesse e entusiasmo pelo legado de Cabral. O resultado é este texto que, com a devida vénia, aqui se insere.

"Cabral considera que um dos objectivos da resistência cultural é a elevação constante da consciência política e moral do povo, do patriotismo, do espírito de sacrifício, da dedicação à causa da Independência, da justiça e do progresso.

Para Cabral há alguns valores nobres que devem nortear a acção dos partidos políticos no exercício da sua função pedagógica e a acção dos actores políticos. Cabral referiu-se, em vários momentos, relativamente ao exercício do poder, mas num momento particular falou do suicídio da pequena burguesia. Para ele, a pequena burguesia após a independência, no exercício do poder, devia renunciar aos seus interesses e apetências de classe para servir a causa comum.

Nesta ideia de Cabral estriba-se toda a dimensão ética do homem e toda a sua perspectiva em relação ao exercício do poder, que deve servir para realizar o bem comum com honestidade, decência e patriotismo, renunciar a determinados interesses, para no exercício do poder, servir a maioria, servir os interesses do povo e realizar a causa comum. E daí, os princípios da generosidade, da humildade, do espírito de sacrifício e, também, de um profundo sentido de tolerância, de respeito pelo outro e da necessidade de diálogo.

Cabral dizia que, não se pode impor a felicidade às pessoas, recusando assim, o paternalismo, a ideia de qualquer forma de autoritarismo, propugnando antes o diálogo, estribando-se no princípio da tolerância, no respeito pelo outro, pelas minorias para que, com honestidade, com patriotismo, com seriedade se realize o bem comum.

Uma das preocupações de Cabral era também o rumo da revolução africana. Na altura, ele dizia que não devemos esquecer que a situação concreta de África e a experiência já vivida pela revolução africana, exige, para além da liquidação total do colonialismo, a construção do progresso do povo. “Estamos convencidos de que se o progresso não se pode realizar sem a liquidação total do colonialismo e das suas sequelas, sem a independência real, também é certo, que os povos africanos não poderiam compreender esta independência, se tivessem de continuar a levar uma vida miserável e cheia de sofrimento”.

A ideia de Cabral é que a independência, para além do hino e da bandeira, devia superar o colonialismo. Não se poderia realizar a independência para que as pessoas passassem a viver pior do que viviam na época do colonialismo, era preciso superar o colonialismo, era preciso ter ambição e ir muito mais além da construção da dignidade das pessoas. Não será esta a ideia que moveu aqueles que no PAIGC/PAICV assumiram as rédeas do poder após a independência?

Cabral referia-se também à crise do conhecimento na promoção africana. Em vários casos, dizia ele, a prática da luta de libertação nacional e as perspectivas do futuro, apresentam-se, não só desprovidas de uma base teórica, como também, mais ou menos desligadas da realidade concreta do meio. Cabral estava preocupado com a crise do conhecimento em África. Referindo-se à luta de libertação nacional e às perspectivas do seu desenvolvimento, preocupava-o a falta de visão. E, segundo ele, para superarmos o colonialismo temos que ter uma forte visão e uma forte agenda de transformação. Dessas ideias de Cabral podemos dizer que uma liderança africana, hoje, terá que ter uma visão, um profundo sentido ético na governação, uma forte consciência ecológica com forte sensibilidade social, mas sobretudo, deve colocar-se ao serviço do progresso e do bem-estar social.

Cabral, em vários textos, mostrou ser um profundo admirador dos ideais libertários dos fundadores da independência dos Estados Unidos da América. Hoje, num texto de David Borges, no Diário de Notícias, em Portugal, ele fez referência que Cabral considerava Jefferson, Lincoln e Roosevelt como patrimónios não só dos Estados Unidos, mas também, da humanidade. Sabemos todos dos ideais libertários de Jefferson, sabemos todos que Lincoln foi morto porque defendia os direitos civis, o direito dos negros poderem participar nas eleições. Daí, o tributo de Obama a Lincoln no acto da sua tomada de posse, amanhã, (20.01.09) nos Estados Unidos. Sabemos que Roosevelt, em 1932, foi o primeiro Presidente a criar um gabinete para atender as questões que se prendiam com os direitos dos negros nos Estados Unidos da América.

Cabral pensou, também, em vários momentos sobre a construção do Estado, após a independência. Há dias, numa conversa com o Camarada Aristides Pereira, ele dizia-me que um dia, vendo um combatente que não sabia ler, nem escrever, com uma arma na mão, Cabral disse-lhe: Estais a imaginar este combatente após a libertação deste país? Estais a imaginar o choque que estamos a provocar neste homem, ao aprender a manejar esta arma e a lutar pela independência? Qual será a atitude dele apôs a independência? Esta luta não será alguma violência em relação a determinadas pessoas que nela participam? Uma preocupação profunda de Cabral com os aspectos culturais da luta, com a conscientização das pessoas para este processo libertário.

Cabral no seu pensamento sobre a construção do Estado, refiro-me mais uma vez, ao discurso de Amílcar Cabral após o golpe na Guiné Conacry em que ele falava sobre a traição, as condições do exercício do poder em África e do porquê desta traição!? Porque que há condições para emergir a traição no seio dos que lutaram pela independência!? Será que as condições da África e da República da Guiné, em particular, não estão de acordo com o tipo de política que se está a fazer? Um partido, um governo, governadores, etc!? Será que esses homens ou essas mulheres que pretendem fazer partidos, governos, com governadores, secretários, etc, estão enganados? Ou será que não pode ser assim em África? As perguntas que Estado, que sistema político, as indagações de Cabral nessa altura! Não temos as respostas, mas temos as perguntas! É fundamental ler este texto de Amílcar Cabral.

Cabral considerava que era preciso construir a modernidade, não podemos estar isolados, era preciso garantir a inserção activa no mundo! Cabral propugnava, na perspectiva da construção do progresso económico e social do povo, o desenvolvimento com base numa assimilação crítica das conquistas da humanidade, de uma cultura universal pendente a uma progressiva integração no mundo actual e nas perspectivas da sua evolução.

Não temos as respostas para os desafios de hoje, mas podemos fazer as perguntas: Estamos a cumprir os desígnios de Cabral? Valeu a pena Cabral ter morrido pela libertação, pela nossa independência? Estamos a prestar um tributo merecido a Cabral, a todos os heróis nacionais e aos combatentes de liberdade da Pátria? Acho que sim, temos cumprido. Nos 15 anos após a independência agilizamos o país, construímos os alicerces do Estado. O PAICV, aqueles que estiveram com Cabral e todos aqueles outros que foram mobilizados pelos ideais de Cabral trabalharam para realizar o bem comum, sobretudo, com honestidade, com decência e patriotismo, como dizia Cabral.

Mais do que isso: estavam profundamente imbuídos desta ideia de que a independência não era só o hino e a bandeira. As pessoas não entenderiam a independência se vivessem pior do que antes. Cumprimos os desígnios de Cabral. Definitivamente, hoje vivemos muito melhor de que antes da independência. Não há comparação possível. Eu poderia dizer: Cabral, nós cumprimos, os teus companheiros chegaram a Cabo Verde e deram continuidade a tua luta, aos teus ideais e, continuamos a cumprir, seguimos cumprindo. Cabral podia dizer - estou a chegar de Cuba - hasta siempre!

Nós temos a Iª República, temos a transição para democracia, quando 15 anos depois os interesses de diferentes grupos sociais emergiram, mais pluralismo na sociedade, confronto de projectos alternativos de sociedade e era preciso permitir que o povo pronunciasse e o povo pronunciou. Cabral dizia que não é possível impor a felicidade às pessoas. O PAICV protagonizou o processo de transição para a democracia com sucesso e foi elogiado no mundo porque o PAICV cumpriu os ideais de Cabral. Hoje estamos a gerir um ambicioso processo de transformação de Cabo Verde.

E posso afirmar que é nos ideais de Cabral que estão estribados os ideários deste PAICV do século XXI, deste novo PAICV. Ele é novo para enfrentarmos os desafios de hoje, mas sempre estribados nesses valores, nesses princípios de Amílcar Cabral, numa perspectiva permanente de indagarmos sobre o que fazer para realizarmos o bem comum, o que fazer para melhorar continuamente a qualidade de vida das pessoas.

Hoje seguir Cabral é continuar governando com ética, é consolidar a democracia, é respeitar as regras do jogo democrático, respeitar os princípios da tolerância, respeitar as minorias, ou seja governar, em diálogo e velar pela qualidade da democracia. Seguir Cabral é construir consensos sobre as grandes questões nacionais para realizar o bem comum. Para continuar Cabral é preciso garantir a inserção competitiva de Cabo Verde na economia global, desenvolver o país e construir uma sociedade de liberdade. Continuar Cabral é continuar a defender os princípios de mais igualdade, de mais liberdade, de mais solidariedade, onde todos possam viver bem e com dignidade.

Na linha de Amílcar Cabral, devemos continuar hoje a governar para todos, com humildade, tolerância, aprendendo sempre para que possamos superar os desafios que temos pela frente.

O PAICV vai continuar a cumprir para dignificar todos aqueles que com Cabral lutaram pela independência e que souberam trazer até hoje este facho que é de todas as liberdades, que é da construção de uma maior dignidade para todas as mulheres e todos os homens destas ilhas.

Juramos a Cabral que vamos continuar nesta linha."

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