segunda-feira, janeiro 26, 2009

Blog Joint: Ensino Superior ou o desafio da qualidade

Considero meritória esta iniciativa chamada Blog Joint. No essencial, trata-se de uma plataforma de debate, de troca de ideias. É sempre salutar quando há ideias e elas são intercambiadas. Mormente quando a preocupação maior é a de contribuir para o pleno exercício da Cidadania. Neste domínio, quero crer, nunca há pecados por excesso.
Ensino Superior é o tema deste primeiro debate no âmbito do Blog Joint. Pertinente? Com certeza que sim. Desde logo, pelo seguinte: o Ensino Superior, o seu sucesso, é um desafio nacional, e ele só será vencido na medida em que, enquanto tal, for agarrado pela generalidade dos cidadãos. Ou seja, o desafio é político (dos poderes públicos, se se quiser) mas igualmente é um desafio da Cidadania.
Infelizmente, obrigações profissionais levam-me a estar, neste momento, bem longe de casa, envolvido em questões de outra natureza, pelo que não participo neste primeiro debate da forma como gostaria. Com tranquilidade, com mais tempo. Tenho de me limitar a algumas notas soltas. Penitencio-me, desde já, pelas falhas que nelas estarão contidas.

Ora bem. Venho de um tempo em que o acesso ao Ensino Superior estava bem longe de ser complicado. Escassos anos após a Independência Nacional, esse era ainda o tempo em que a generalização do ensino estava no quente, bem assim a aposta política de fundo na formação de quadros nacionais. Ninguém nega que essa aposta produziu resultados. Centenas de jovens foram partindo para países diferentes, cada um mais longínquo do que o outro, a fim de prosseguir os seus estudos. Os custos financeiros eram, no essencial, um encargo do Estado (o mecanismo das Bolsas de Estudo). O contexto da época favorecia a cooperação internacional neste domínio particular. Enquanto país, soubemos tirar partido desse contexto e é altamente louvável o que temos como resultado. Ou seja, um património valioso no que se refere a recursos humanos qualificados.

A realidade que temos hoje é diferente. Continua a haver jovens que vão fazer os seus estudos superiores no estrangeiro, mas há também (e felizmente!) muitos deles que já fazem esses estudos (e, neste ponto, sequer tenho em conta as post-graduações) no nosso próprio país. Ao que parece, esta segunda parcela já é superior à metade do contingente global. Trata-se de um avanço magnífico. Temos de o considerar na sua justa medida. Penso que este ponto é fundamental para uma discussão que, construtivamente, queira “partir a louça” sobre o que ainda esteja mal, sobre o que terá eventualmente sido mal projectado, sobre o que mereça queixas dos estudantes, e por aí adiante. Pessoalmente, gosto de ver as questões em perspectiva, razão por que pergunto sempre pelo ponto de partida e pelo caminho percorrido.

Que leituras fazer disso (desse tal avanço)? Antes de mais, existe uma já considerável oferta “doméstica” e ela é garantida por instituições públicas e privadas. Neste contexto, um desenvolvimento de peso foi a criação da Universidade Pública de Cabo Verde, seguindo um modelo que tem em conta a nossa condição de país-ilhas, assume a experiência nacional já relativamente antiga de ensino superior público e tem em mira o bom aproveitamento das capacidades existentes na nossa Diáspora. A UniCV tem sido referida como sendo (ou melhor, como desenhada para ser) uma instituição de referência. Por outro lado, creio que nunca será excessivo enaltecer o papel das instituições privadas e o que elas representam de empenhamento e dedicação à causa do Ensino de que dão provas os seus promotores.

Desejo sublinhar o seguinte: o Ensino Superior é uma peça incontornável desse tal Cabo Verde moderno e competitivo de que amiúde falamos – porventura nós todos, mas sobretudo os que estão ao nível do discurso político. Ensino Superior de qualidade, importa dizer por inteiro. Nem assim-assim, nem mais ou menos. De qualidade, e ponto final. A mediania não é a meta. É crucial que a marca de qualidade se afirme desde o início. Bem sei da nossa afeição pelo facilitismo, mas a verdade é que há domínios em que isso “não dá”. O ES é um deles. De resto, as fornadas que forem saíndo do nosso ES têm à frente um constrangimento de monta que é a pequenez do mercado nacional, pelo que terão também de contar com a eventualidade de ter de ir enfrentar graus de competividade porventura mais exigentes noutras paragens. A prepósito, estaremos a conceder a devida atenção ao domínio de línguas estrangeiras (vg, o inglês)?

Será que existe uma correspondência (uma “concordância prática”) entre esse discurso e a forma como o processo está a evoluir? Não disponho de suficientes indicadores para avaliar. Acredito na dedicação e no saber dos que estão ligados a esta matéria. E designadamente na atenção que concedem à problemática da avaliação da qualidade (do sistema). Mas, ao falar de indicadores, estou a pensar em, por exemplo: calendários definidos, evolução do corpo docente, qualidade do parque físico existente, fiabilidade das unidades de investigação e estudo (laboratórios, bibliotecas), recursos financeiros disponibilizados, intensidade da cooperação científica internacional, nível dos formandos/ formados, grau de absorção pelo mercado de trabalho, “sintonia” entre a oferta existente e as necessidades do mercado (sectores público e privado), entre outros.

Por certo que a exigência de qualidade não deve ser feita de forma desgarrada. O Ensino Superior não é uma peça isolada. Tal exigência deve igualmente dirigir-se aos outros patamares de Ensino precedentes ou prévios. Ou seja, é fundamental que não se peça ao ES que faça o que tem de ser feito antes. Temos de saber se os estudantes estão a sair do Ensino Secundário suficientemente preparados. Não raro aponta-se como exemplo ou sinal de impreparação o fraco domínio da língua portuguesa, enquanto instrumento de comunicação e estudo. Este é um tópico que dá pano para muitas mangas e, importa notar, trata-se de um problema que vai existindo um pouco pela generalidade dos países que têm o português em comum. Agora, certamente que uma eventual deficiente preparação prévia não se analisa apenas por este ângulo (exemplificado).

Parece-me dever ser chamado à liça o seguinte aspecto: será que a nossa sociedade está a oferecer a envolvência cultural e a interacção crítica tão necessárias à afirmação de um sentido académico (científico, melhor)? Que nisso de qualidade e rigor, não se poderá querer que o ES seja assim um, digamos, oásis.

Como quer que seja, temos de, enquanto país, saber se não estaremos a, objectivamente, caminhar para um como que afunilamento para o ES. Dito de outro modo, em termos de saídas profissionais ou de vias de garantia do futuro pessoal, estará, por exemplo, o Ensino Técnico-Profissional a exercer suficiente atractividade? Esse afunilamento não cria disfunções com o mercado? Estaremos a preparar contingentes de determinada mão-de-obra tão essencial para a tal competitividade da economia e do país? Os investimentos reais que vêm sendo feitos no ETP estarão a conseguir quebrar/ inverter/ contrabalançar essa apetência pelo ES?

Um ponto que suscita a atenção dos mais directamente interessados é o dos custos. Fica muito caro estudar, diz-se. Será possível reduzir esses custos? Estarão já desenhados e em funcionamento todos os mecanismos de apoio pertinentes? Estarão as instituições com vocação para o crédito já suficientemente envolvidas? Em que medida é motivador o “estatuto” de trabalhador-estudante? Dará já o sistema fiscal suficiente guarida a esta realidade que é o ES? Acredito que, de per se, este tema dos custos já daria para fazer sentar à mesa e conversar o Estado, as instituicões de ES públicas e privadas, estudantes, pais e encarregados de educação, agentes do sector financeiro, e eventualmente outros. Quando se levanta, responsavelmente, o problema dos custos é porque algo pode não estar bem no plano do direito ao acesso. E isto é fundamental.

Aqui chegado, suspendo estas minhas notas. Tentarei regressar à discussão logo mais.

Participam neste debate do Blog Joint os seguintes confrades:
Bianda
Ku Frontalidade
Teatrakacia
Café Margoso
Geração 20 J 73
Blogue di Nhu Naxu
Tempo de Lobos

2 comentários:

Cesar Schofield Cardoso disse...

Welcome Jointer!

Já dei uma volta pelo joint inteiro e está a ser uma maravilha. Muita informação, muita reflexão. A tua reflexão é uma verdadeira aula.

Se um jornalista tiver esta visão e recolher todos os contributos que sairam neste joint, faria uma bela peça.

Um grande abraço

(A dificuldade em se deixar um comentário no teu espaço é expresso?)

Jorge Tolentino disse...

César,
parece que a "coisa" arrancou bem. Bravo!
Outras pessoas já me disseram que é dificil deixar comentários aqui no Blog. Deve haver algum galho "técnico" que vou ter de esclarecer. Pois que os comentários sao bem vindos, naturalmente.
Fika dretu.
JT