quarta-feira, outubro 15, 2008

A outra face da Pobreza



Nos dias que correm, e se bem ajuízo, a Pobreza tem nos chamados movimentos migratórios clandestinos ou ilegais uma das suas manifestações mais evidentes. Mais pungentes e dramáticas, também.
O olhar desconsolado desses que se aventuram nas pirogas é, não nos iludamos, o olhar da Pobreza.
Com efeito, se a Pobreza é expressão deste mundo desigual em que vivemos, esses movimentos são a face vergonhosa das iniquidades que persistem, ou, por outras, desse desenvolvimento que tarda a chegar a muitos cidadãos, um pouco por todo o mundo. E teria de chegar, desde logo, sob a forma de bens tão básicos como a água, e a comida, e a saúde, e a educação, e a habitaçao. Enfim.
E é lastimoso quando um Estado falha ao não ser capaz providenciar para os seus cidadãos esse nível de prestações básicas. Essenciais à vida com dignidade. Pode-se argumentar com as ditas causas profundas, remotas ou não, mas o dado tão objectivo quanto incontornável é esse, e repito: falhanço na capacidade de prestação.
Por certo que, enquanto o sentido de mudança não for introduzido a esse nível (o que equivale a falar de responsabilização), fica a via mais fácil de, uma, culpabilizar a comunidade internacional e, outra, contentar-se com com desgarradas medidas de segurança/ controle que, no limite, são meros paliativos. Ou seja, não será possível conter esses movimentos (de descompressão ou fuga) se e enquanto as suas causas não forem devidamente enfrentadas.

Para a África, em particular, esse fenómeno dos migrantes clandestinos ou ilegais tem sido um autêntico flagelo. São milhares e milhares pessoas, de diferentes idades, fugindo dos seus próprios países justamente porque neles não lhes é assegurado o minimo necessário à Vida.
A envolvência é de fome, de doenças, de conflitos e mortandades, de desmembramento familiar, de desertificação e definhamento da agricultura, de ausência de perspectivas. Mas igualmente de promessas não cumpridas.
De onde que essa busca desesperada do Eldorado é assim um aventurar no escuro, um apostar a própria vida – porque não se tem mais nada a perder. Senão que tudo a ganhar. É este, afinal, o sentido da esperança que os anima, que os empurra. “Hope and other Dangerous Pursuits”, tal como se intitula esse poderoso romance-testemunho de Laila Lalami, escritora marroquina.
Ainda há escassos dias foi notícia a chegada a Cabo Verde de uma embarcação com 130 pessoas. Volta e meia chegam, umas mais lotadas que outras.
Assim como é notícia, de há dois dias, o facto de treze migrantes africanos, em rota para a Itália, terem morrido por terem sido atirados vivos ao mar. Que há gente inescrupulosa neste circuito que é, para eles, um negócio! São os negreiros da actualidade.
E são casos e mais casos que têm acontecido. Só uma pequena parte deles chega a ser notícia, parece evidente. Mas muitos outros continuam a acontecer, diariamente, um pouco em diferentes latitudes do continente.
E assim vai continuar a ser, infelizmente. A não ser que.

Sem comentários: