terça-feira, fevereiro 22, 2011

Líbia em sangue

Numa exemplar atitude, o Representante Permanente Adjunto da Líbia junto das Nações Unidas, em Nova Iorque, não teve medo das palavras (nem das consequências, claro) e denunciou como sendo genocídio o que se está a passar no seu próprio país. Tem alguém dúvidas de que seja essa a palavra exacta para caracterizar o banho de sangue em que o Coronel mergulhou os seus concidadãos?
Perante este cenário de todo em todo injustificável, forçosamente que nos vêm à memória as razões pelas quais Kadhafi foi, anos a fio, inimigo público número 1 do Ocidente. Esse mesmo Ocidente que, entretanto, mais tarde, iria, um líder a seguir ao outro, desfrutar das mordomias da kadhafiana tenda. Petróleo oblige... E, claro, é bem visível o embaraço que hoje se sente para condenar claramente essa atrocidade que o Coronel está a cometer contra o seu próprio povo. Mastiga-se as palavras, titubea-se... Na outra margem, sem nenhum tipo de vacilações é a ira que o regime líbio lança sobre os cidadãos que se manifestam nas ruas de Tripoli e um pouco por todo o país. A intransigência total face ao menor assomo de dissenso.
Aliás, a forma como o filho-herdeiro de Kadhafi apareceu na televisão a ameaçar os “terroristas” é a expressão a mais perfeita de um regime disposto a tudo para não deixar de ser o poder absoluto que sempre foi. A imagem, por ele próprio utilizada, dos poços de petróleo em chamas, traduz justamente essa relação possessiva com o poder: ou mandamos nós ou o país ficará pedra sobre pedra. “Isto não é a Tunísia nem é o Egipto”... Nesta lógica perversa, não estranha que Kadhafi queira morrer “como mártir”... deixando atrás um mar de sangue.
Ou de como há uma fina e ténue linha entre, por um lado, um déspota acarinhado por uma comunidade internacional que faz os interesses ganhar primazia sobre os Valores e, por outro, o “Líder da Revolução” que, beliscado na sua essência mesma, se atira em cavalgada assassina contra os seus próprios irmãos.
Urge acreditar no amanhecer. Um amanhecer que signifique uma nova Líbia.
Entretanto, um bom sinal: a Liga Árabe acaba de suspender a Líbia das sessões do Conselho da Liga, ao mesmo tempo que condena “os crimes contra os actuais protestos e manifestações populares e pacíficos que ocorrem em várias cidades líbias”.
(Debalde, tento reconstituir a tranquila sensação de horizontes inalcançáveis que nessas paragens experimentei já lá vão vinte e muitos anos).

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