quarta-feira, março 10, 2010

Falou e disse

“Quer dizer que o ter uma cultura artística - e a cultura é diferente da arte - não é [tido como] fundamental. [Mas] é fundamental! Por exemplo, aqueles povos analfabetos, os povos "exóticos" ditos anteriormente "primitivos", têm uma arte e a arte tem uma "função" social imediata. Todos sabem o que é e como se utiliza uma máscara. É fundamental. Os objectos artísticos são fundamentais. Não são utilizados, apreciados e valorizados por uma pequeníssima comunidade ou grupo. Não! É a sociedade inteira. Isso passa e é formador da cabeça, da inteligência do mundo dessas sociedades. Entre nós, aquilo a que se está a assistir é a qualquer coisa que não se deve confundir com isso e que é - para empregar as palavras de um filósofo americano, o [Arthur] Danto - uma banalização, uma espécie de transformação do objecto artístico em objecto cultural, o que é terrível. Os movimentos contrários existem também, mas, na generalidade, o que se está a espalhar pelo mundo é uma espécie de "gadgetização" do objecto artístico. E com isso perde-se imenso.”

“O espaço público é um espaço formador. Há uma inteligência que passa no discurso e no comportamento público. Por isso há cidades inteligentes e cidades estúpidas. Há cidades em que se entra e dois meses depois é-se realmente mais inteligente. Paris é uma cidade inteligente - já foi mais, está por baixo, mas é uma cidade inteligente. Nova Iorque também. E não é porque há mais informação.”

“ Na formação da inteligência, múltipla nas suas expressões, há uma inteligência que só a arte nos dá e que é fundamental. Não é por acaso que tantos filósofos aproximam a ontologia, aquilo que é o nosso ser, da produção estética. Não é por acaso. É que isto é fundamental. Ora, numa cidade inteligente, a arte existe e o discurso artístico, a problemática artística atravessa esse espaço independentemente dos interlocutores, ganha autonomia, atinge as pessoas, incluindo os que não pensam nisso. Eu, que não sou artista, tenho uma cultura artística que vem daí. E isso é um espaço público. Um espaço que vibra, que é autónomo, em que não sou eu que falo, ele fala por si e atravessa o espaço real, as conversas habituais.”
Prof. Doutor José Gil
(em entrevista ao jornal Público.
Aqui)

Aos 71 anos de idade, o Professor deu hoje a sua Última Aula na Universidade Nova de Lisboa.

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