Sobre a Promoção e Protecção dos Direitos do Homem em África
1. Começo por exprimir a minha enorme satisfação por poder participar nesta belíssima iniciativa da Comissão Nacional para os Direitos Humanos e a Cidadania. Na pessoa da respectiva presidente, mui ilustre Dra Vera Duarte, agradeço o amável convite que me foi dirigido para estar aqui e assim poder compartilhar algumas ideias sobre a problemática dos direitos da pessoa humana no nosso continente. Infelizmente, não é com frequência que esta matéria é debatida entre nós. Andamos como que distanciados das coisas que vão acontecendo no continente: a música, a literatura, o cinema, o desporto, a política... Sabemos muito pouco disso tudo.
2. Entrando no tema que me coube, devo dizer-vos que desejo não fazer uma abordagem meramente descritiva, pois quero crer que não será isso o que mais interessará a uma tão bem informada plateia. Penso ser mais útil suscitar alguma problematização, justamente tentando acercar do âmago dos problemas e das realidades que existem antes e para além dos conteúdos normativos, e designadamente das convenções internacionais.
3. Naturalmente que irei fazer referência aos instrumentos internacionais, mas quero desde já enfatizar o seguinte: não me parece que o essencial da luta pelos direitos da pessoa humana em África tenha a ver com os quadros de regulação, senão que com condicionantes externas de diversa natureza. Externas à norma, quero eu dizer.
4. Mas, e para arrancar, falemos um pouco da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos.(1) Ela foi adoptada, a 28 de Junho de 1981, pela 18ª Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da OUA, então reunida em Nairobi. Entrou em vigor a 21 de Outubro de 1986. Dos instrumentos de âmbito regional, trata-se seguramente daquele cujo processo de gestação foi mais demorado. Como ponto de partida, costuma referir-se a um simpósio organizado em Lagos, por juristas africanos, em 1961. É então que surge a ideia de uma convenção africana sobre direitos do homem. Convem recordar que, entre 61 e 81, intercede uma panóplia de seminários e colóquios promovidos pelas Nações Unidas e pela Comissão Internacional de Juristas, sem esquecer as campanhas movidas por organizações não governamentais. É tudo isso que conduz à Carta adoptada no Quénia. Tudo isso, mas não apenas isso. Evidentemente que há também o exemplo de textos de âmbito geral e regional adoptados no período posterior à Declaração Universal de 1948.(2) Desde logo, os dois Pactos Internacionais de 1966. Mas igualmente a Declaração de 1960 sobre a outorga da independência aos países e povos coloniais. Sem esquecer, naturalmente, os dois instrumentos de vocação continental, a saber: a Convenção Europeia sobre Direitos do Homem, de 1950, e o “Pacto de San Jose da Costa Rica”, adoptado, em 1969, pela Organização dos Estados Americanos. Concretamente sobre o processo conducente à elaboração da Carta Africana, recomendo o estudo do nosso antigo Presidente da República, Doutor António Mascarenhas Monteiro, intitulado “La Charte Africaine des Droits de l’Homme et des Peuples”.(3)
5. Atingido este socalco, importa perguntar: o que é que a Carta Africana traz de novo? Ou, para utilizarmos a linguagem mais corrente, quais serão as especificidades dessa Carta?
5.1 Antes de mais, ela dedica um capítulo aos chamados deveres do indivíduo – artigos 27º e seguintes. Este tratamento é algo novo. Com efeito, a Convenção Europeia desconhece esta matéria, e a Convenção Americana, por sua vez, faz-lhe apenas uma brevíssima referência. Parece que esta inovação procurou responder ao entendimento segundo o qual, no contexto da sociedade tradicional africana, os direitos são inseparáveis dos deveres.
5.2 A segunda nota distintiva é o reconhecimento de direitos a determinados grupos. Desde logo, a família enquanto “o elemento natural e a base da sociedade”. Mas chamo a vossa atenção para o seguinte dispositivo: “O Estado tem a obrigação de assistir a família na sua missão de guardiã da moral e dos valores tradicionais reconhecidos pela comunidade” (Artigo 18º). Veremos mais à frente como os chamados “valores tradicionais” podem na verdade dificultar a efectiva realização de direitos.
Mas uma outra categoria que merece tratamento especial é a dos povos. “Todos os povos são iguais; gozam da mesma dignidade e têm os mesmos direitos. Nada pode justificar a dominação de um povo por outro” (Artigo 19º).
Outros grupos considerados são: as mulheres, as crianças, as pessoas idosas, as pessoas diminuídas. Importa reparar que intercede aqui uma discriminação positiva no sentido de que se estatui o direito a medidas especificas de protecção que correspondam às necessidades fisicas ou morais destes grupos.
5.3 Uma terceira marca de destrinça tem que ver com o facto de a Carta Africana cuidar directamente de aspectos atinentes aos chamados direitos económicos, sociais e culturais. Assim, o direito à saúde, o direito à educação, o direito ao trabalho. Na Europa estas questões não foram tratadas ex professo na Convenção de 1950, mas sim na Carta Social Europeia de 1961, sendo embora certo que o “direito à instrução” foi atendido pelo primeiro protocolo adicional, que foi adoptado em Paris, no ano de 1952. Já no que diz respeito ao continente americano, a Convenção de 1969 limita-se a consagar uma “cláusula compromissória” sob a epígrafe “desenvolvimento progressivo” (Artigo 26º). Será apenas com o Protocolo de São Salvador, de 1988, que o continente americano passa a contar com aquilo que se pode considerar, sem favores, uma verdadeira carta social.
5.4 A última especificidade que desejo apontar é esta: a Carta Africana inclui disposições relativas a direitos da terceira geração, como sejam o direito ao desenvolvimento, o direito a um ambiente saudável, o direito à paz e à segurança.
6. Durante muitos anos criticou-se o facto de a Carta Africana não consagrar uma instância jurisdicional de protecção dos direitos do homem, contrariamente ao que havia sido feito pelas duas convenções de âmbito regional que a precederam. Na verdade, a opção foi no sentido de criar a Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, com claras limitações no que diz respeito ao seu quadro de competências e ao tipo de relacionamento com o orgão colegial supremo da OUA. Independentemente de indagar pelas razões que terão conduzido a essa opção, o certo é que ela traduziu-se em alguma fraqueza no que concerne ao mecanismo de implementação da Carta Africana. Com razão se observou que, no plano da comparação dos sistemas, esse mecanismo era, no fundo, o mais politizado de todos.
Dito isto, urge referir que uma nova era foi aberta quando, em 1998, a 34ª Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da OUA, reunida em Ouagadougou, decidiu, finalmente, pela criação do Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos. Tal foi feito através de um protocolo adicional à Carta, o qual entrou em vigor a 25 de Janeiro de 2004, após o depósito do 15º instrumento de ratificação. Diga-se, de passagem, que Cabo Verde ainda não ratificou esse protocolo. Importa referir que, nos termos do artigo 2º do documento em apreço, o Tribunal “complementa o mandato protectivo da Comissão Africana”.
7. Para completar a referência aos instrumentos internacionais em matéria de direitos do homem de aplicação à escala continental, devo mencionar ainda os seguintes: a) a Convenção reguladora de certos aspectos do problema dos refugiados em África, adoptada em Adis Abeba, em 1969; b) a Carta Africana sobre os Direitos e o Bem-estar da Criança, adoptada também em Adis Abeba, em 1990; e, mais recente, c) o Protocolo adicional relativo aos Direitos da Mulher em África, o qual foi adoptado em Julho de 2003, em Maputo, pela Assembleia da União Africana.
8. Neste ponto, desejo sublinhar o seguinte: esse Protocolo relativo aos Direitos da Mulher em África é um documento que marca uma profunda viragem no que concerne aos direitos fundamentais da mulher africana. Fiz há bocado alusão aos chamados “valores tradicionais” da comunidade. Em relação a eles, este protocolo de 2003 representa uma verdadeira abertura no sentido da modernidade. Ele inscreve o “direito à dignidade inerente à pessoa humana”, inscreve “o direito à vida, à integridade e segurança da pessoa”, inscreve o casamento como um instituto no qual deve verificar-se o livre consentimento da mulher, inscreve a igualdade de direitos em caso de separação, divórcio ou anulação do casamento, inscreve o direito à herança, o direito à saúde reprodutiva, o direito à participação no processo político, o direito de acesso à justiça e a igual protecção perante a lei. Mais ainda, esse protocolo estatui claramente no sentido da proibição e condenação de todas as formas de práticas violadoras dos direitos fundamentais da mulher, com realce para a mutilação genital e para a imposição de cicatrizes. Repito: estamos perante um documento de viragem. Não percamos de vista que, nesta nossa África, as mulheres são a camada que, ao longo dos anos, mais tem sofrido com as violações dos direitos fundamentais, umas mais subtis que outras. Esse protocolo de Maputo vem fazer-lhes justiça. Ouso sugerir à Comissão Nacional para os Direitos Humanos e a Cidadania que promova uma alargada divulgação desse texto convencional, o que seria seguramente benéfico neste nosso país onde os direitos da mulher não estão ainda plenamente realizados.(4)
9. Com estas brevíssimas anotações relativas aos instrumentos de protecção dos Direitos do Homem em África, eu quis significar que não estamos mal a esse nível. Ou seja, as dificuldades não residem naquilo que se pode chamar o sistema africano de protecção en tant que tel. O problema está na aplicação de todo esse corpo de normas. No fundo, o problema é o da vivificação da norma no dia a dia da comunidade. Nunca é excessivo afirmar que as normas relativas a direitos fundamentais não podem ser letra morta; antes o contrário: têm de estar vivas e actuar na esfera de realização de cada ser humano.(5)
10. Se assim é a esse nível, temos então de lançar o olhar sobre o quadro de protecção ao nível das legislações nacionais. Do direito interno, se se preferir. Em finais do século XIX, o jurista alemão Heinrich Triepel escreveu o seguinte: “O direito internacional precisa do direito do Estado para cumprir as suas tarefas. Sem este, ele é, em muitas situações, um direito sem força. O legislador nacional desperta-o da sua falha de poder.”(6) Ora, sabemos que hoje em dia já não é bem assim. Temos os regimes de recepção do direito internacional no direito interno, existem as normas de aplicação imediata, há o princípio da interpretação e integração em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (veja-se o artigo 17º, nº 3 da Constituição cabo-verdiana) e, por último, há esse leque de normas que constituem o jus cogens, o qual representa um quadro paramétrico inclusivamente para o próprio poder constituinte. Como quer que seja, particularmente na ara dos Direitos do Homem, é intenso o relacionamento entre o direito internacional e o direito interno.
11. Visitemos por momentos a Constituição da República da África do Sul, de 1996. “Todo o indivíduo goza do direito à vida”; “Todo o indivíduo possui uma inerente dignidade e goza do direito a ter essa dignidade respeitada e protegida”; “Todos são iguais perante a lei e têm direito a igual protecção e beneficio da lei”; “Ninguém pode ser submetido a escravatura, servidão ou trabalhos forçados”. Faço dois comentários apenas. Primeiro, esse tipo de dispositivos era simplesmente impensável há escassos anos atrás, justamente porque o apartheid era a sua negação mesma; em segundo lugar, parece nitido que esses normativos inspiraram-se directamente na Declaração Universal de 1948, esse documento que, situado como está no espaço da chamada soft law, prossegue revestido de uma excepcional força ética. Mas mais importante ainda é que a Constituição do país de Mandela contem um claro regime de aplicação das normas relativas aos direitos fundamentais, consagrando os principios da aplicabilidade directa e da vinculação de entidades públicas (artigo 8º).
12. Julgo importante fazer ressaltar que no período posterior às independências nacionais em África, os líderes não eram muito propensos a que as constituições contivessem normas relativas a direitos fundamentais. O que era, no mínimo, uma gritante contradição. Se o colonialismo tinha sido a generalizada negação de direitos ao homem africano e se a luta contra a dominação colonial era, por isso mesmo, uma luta pela afirmação desses mesmos direitos, o normal seria verificar-se uma decidida consagração de catálogos de direitos fundamentais, bem como a efectiva realização dos mesmos. A verdade é que, em muitos casos, a fruição desses direitos ficou na dependência da boa vontade das lideranças políticas. Veja-se como rapidamente essas lideranças deram provas de intolerância e dureza no tratamento dos seus oponentes políticos. E é o documento nº 1 do Governo da Tanganika, de 1962, que sem vacilações defende que “o estado de direito fica melhor servido não por garantias formais num catálogo de direitos que suscita conflitos entre o executivo e o judiciário, mas sim por juízes independentes que administrem a justiça livres de pressões políticas”. Também num país como o Gana esta tese teve eco. Num outro nível, houve casos extremados como o Uganda dos tempos sanguinários de Idi Amin. Ou o caso de Jean-Bedel Bokassa que, após depor David Drecko, logo aboliu a constituição e instaurou na República Centro-Africana um regime simplesmente brutal. Ou de Hissene Hebre e o genocídio de minorias no Chade. Ainda no que à Tanzânia diz respeito, a consagração de direitos só ocorrerá com a Lei da 5ª Emenda, de 1984. Igualmente, um pouco por toda a África de fala francesa os Direitos do Homem representavam potenciais ameaças para as elites dirigentes, como faz notar Claude Welch, Jr. Nesse espaço geo-político, essas elites “com orgulho periodicamente citavam documentos históricos como a Declaração do Homem e do Cidadão ou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, ao mesmo tempo que prosseguiam políticas tendentes a restringir os direitos”.(7) Com efeito, tem-se defendido que as lideranças autoritárias viam na recusa da constitucionalização dos direitos uma forma de perpetuação do statu quo político, particularmente no que toca aos sistemas de partido único, estes de todo em todo apostados na sua própria longevidade. E é um autor cabo-verdiano, Onésimo Silveira, quem, na sua tese académica de 1976, assevera o seguinte: “O Partido Único, consequentemente, ao abraçar o conceito monista de poder para justificar o seu exercício de autoridade, encontra-se paradoxalmente numa situação semelhante à do antigo Estado colonial. É forçado a aplicar uma política autoritária face à crise de legitimidade, para manter o poder”.(8) Para o efeito que aqui assim nos interessa, os regimes africanos foram entendendo os Direitos do Homem como uma temática eurocêntrica, despida de qualquer vocação universalista, pelo que cada um era livre para lidar com os particularismos da sua própria coutada. Dito de outra forma, cada um era livre para, nos limites das suas fronteiras nacionais, tratar os cidadãos como bem entendesse. A própria Carta da OUA continha o bem conhecido princípio da não ingerência nos assuntos internos dos Estados. Veja-se que embora a organização continental tivesse a sua sede em Adis Abeba, curiosamente não se apercebeu dos tumultos que abalaram essa Etiópia manchada pelo “terror vermelho” de Haile Mariam Mengistu, esse déspota que, num espaço de quatro anos, levou a morte a 1.5 milhão de conterrâneos seus. Mas o que quero é sublinhar que as práticas abusivas entraram num ritmo de escalada no continente e, nisso tudo, parece óbvio que a comunidade internacional tem culpas no cartório. Tolerou os regimes despóticos; alinhou ou favoreceu o cinismo e permitiu o jogo do double standard. Isto é particularmente notório durante o período da Guerra Fria. Um discurso para fora, uma diferente prática dentro de casa. Aliás, um encargo essencial da diplomacia africana era o de manter boas relações entre os Estados africanos e com os outros Estados, pelo que o tema dos Direitos do Homem, potencialmente gerador de tensão, não podia constar da agenda diplomática. Mesmo a prática dos golpes de estado, que em regra conduziam ao linchamento de adversários ou, no mínimo, ao menosprezo pelos direitos essenciais de muitos cidadãos, só recentemente começaram a ser condenados pela então OUA.
13. Felizmente a situação global alterou-se, e alterou-se profunda e rapidamente. Penso ser de justiça recordar que, pela banda dos Estados Unidos, já a Administração Carter colocava ênfase institucional nesta matéria, justamente através do Bureau dos Direitos do Homem, em Washington. O certo é que esses direitos já não são um assunto entregue à livre disposição dos Estados, senão que ocupam um lugar cimeiro na agenda internacional. Afirmou-se claramente uma diplomacia dos Direitos do Homem, no desdobramento daquilo que, noutro lugar, referi como sendo o “vigoroso despertar da consciência da humanidade para a problemática dos Direitos do Homem”.(9)
14. Não me parece que este seja o momento apropriado para entrar nos meandros do debate entre os relativistas ou culturalistas e os universalistas. Por mim, sempre direi que continuo a encontrar justeza e pertinência nas palavras da Professora Rosalyn Higgins, precisamente quando ela diz o seguinte: “Acredito profundamente na universalidade do espírito humano. Os indivíduos, onde quer que se encontrem, desejam as mesmas coisas essenciais: ter suficientes alimentos e abrigo; ser capaz de exprimir-se livremente; praticar a sua própria religião ou abster-se de ter religião; sentir que a sua pessoa não está ameaçada pelo Estado; saber que não será torturado ou detido sem acusação e que, caso seja acusado, será julgado de forma justa. Acredito que nestas aspirações não há nada que possa ser dependente de cultura, de religião ou do estádio de desenvolvimento.”(10) Parece-me que não se pode negar que existe uma identidade humana universal. Isto é que deve ser o quadro de referência fundamental para todos, em todas as latitudes. Na verdade, “a noção de direitos humanos é a que tomou a dianteira no esforço moderno para expressar a dignidade humana”.(11) Cabe reparar que a Declaração do Cairo, de 1990, relativa a Direitos do Homem no Islão já entende que “todos os homens são iguais na sua essencial dignidade humana” (artigo 1º). De resto, é preciso ter em conta que o continente africano tem vindo a conhecer um processo de transformação e apropriação da modernidade. É verdade que por vezes há recuos, aqui e acolá, mas creio que a linha de evolução já está claramente implantada. Na síntese da Professora Rhoda Howard, “mudança social em África é um fenómeno algo óbvio”.(12)
15. Há alguns aspectos que, esses sim, me parecem dever ser aqui sublinhados, porque entroncam com a efectiva realização dos direitos da pessoa humana em África.Vou apontá-los, ainda que em ritmo acelerado.
15.1 Antes de mais, a questão da impunidade. Quem viola os Direitos do Homem, qualquer que seja a escala ou a intensidade, tem de ser responsabilizado e punido. Os sistemas de protecção têm de funcionar. É importante que os Estados africanos adiram ao instrumento que institui o Tribunal Penal Internacional, ou seja, urge que adiram ao movimento de globalização da justiça. Ele há-de haver responsáveis e agentes em Darfur, na Serra Leoa, na Libéria, na Cote d’Ivoire, na RDC... Sobre esta particular temática, tenho todo o gosto em sugerir a leitura do importante estudo do Dr. Adama Dieng, que foi distinto orador esta manhã, intitulado “Clarification of concepts: Justice, Reconciliation and Impunity”.(13) Parece-me ser de bom augúrio o apelo muito recentemente lançado pelo Secretário-Geral Kofi Annan no sentido da participação da União Europeia e da NATO para a resolução da vergonhosa situação prevalecente no Sudão.
15.2 Por outro lado, parece-me incontornável que se prossiga na via da consolidação de Estados de Direito Democrático em África, Estados que tenham sempre presente que os direitos fundamentais da pessoa humana integram o núcleo essencial dos bens constitucionais. Estados cujos órgãos legitimamente constituídos funcionem com normalidade e cumpram as suas obrigações. Estados que não sejam “refugiados políticos”, como diz o académico queniano, Ali Mazrui, ou seja, Estados que (sobre)vivem em sobressalto, sem raízes e na incerteza.(14) Há mesmo quem fale de “fragilidade do poder” e de “riscos pessoais da liderança”.(15) Por certo que todos ficamos indignados com os golpes de teatro monárquico como o que ocorreu agora em Lomé... Parece-me que, para o bom desempenho dessas realidades institucionais, é preciso contar com os protagonistas. Ou seja, é preciso que se afirmem novas lideranças apostadas em servir o bem comum, em realizar a boa governação, em contribuir para que a récita dos Direitos do Homem tenha efectiva precipitação no dia a dia dos homens, das mulheres e das crianças deste nosso continente. Como quer que seja, penso que há avanços animadores nesse sentido.(16) A própria União Africana tem tido um outro animus e um muito outro desempenho.
15.3 Importa não perder de vista que, para muitos africanos, persistem grandes e reais obstáculos a uma vida com plena fruição dos direitos fundamentais. Refiro-me à fome e à pobreza. Refiro-me também às doenças: Hiv – Sida, paludismo, tuberculose. Refiro-me ainda aos conflitos armados e seus efeitos devastadores sobre as pessoas e as sociedades, desde logo o doloroso fenómeno dos refugiados e deslocados, sem esquecer as crianças mobilizadas para a guerra, as mulheres violentadas pelos guerreiros, etc., etc. Permito-me recordar aqui o engajamento assumido pela comunidade internacional através desse texto fundamental que é a Declaração do Milénio: “Não pouparemos esforços para libertar os homens, mulheres e crianças das abjectas e deshumanas condições de extrema pobreza a que mais de um bilhão se encontram submetidos. Estamos empenhados a fazer do direito ao desenvolvimento uma realidade para todos e a libertar a humanidade da pobreza” (III, 11). Nesta linha, não deixa de ser auspiciosa a atenção que a problemática da luta contra a pobreza mereceu no recente Forum de Davos.
15.4 É importante que se afirme a cultura dos Direitos do Homem, sem a qual fica comprometido o futuro desses mesmos direitos. Eles não se impõem nem se desenvolvem num qualquer contexto. Antes pressupõem um ambiente de tolerância, sem lugar para o discurso do ódio. Requerem sociedades inclusivas, de aceitação do outro, diferente mas igual. Necessitam de espaços de liberdade, de igualdade, de solidariedade. Em suma, precisam da sociedade dos homens com a bondade que, na verdade, neles existe. Quero crer que será pela força dessa cultura dos Direitos do Homem que a generalidade dos países africanos acabará por chegar à abolição da pena de morte. Enquanto Diplomata, sempre me regozijei com a oportunidade de, particularmente em Genebra, significar o voto do meu país contra essa pena.(17) Penso que não há política criminal que justifique, nos nossos dias, o recurso a uma tal solução. Digo melhor: é essencial que os Estados se recusem o direito a matar. O Estado não é propriamente o guerreiro Katabolonga a quem pertence a vida do Rei Tsongor.(18)
16 Como ensina a nossa sabedoria popular, “conbersu sabi ê ladron di tenpu”. O prazer que encontrei no tema que me foi distribuído levou-me a fazer esta intervenção algo alongada. Peço desculpas por este facto e agradeço a vossa paciência. Muito obrigado.
Notas:
(1) A Carta vem publicada no 5º Suplemento ao Boletim Oficial nº 52, de 31 de Dezembro de 1986.
(2) A DUDH está publicada em Cabo Verde por força da Resolução nº 86/ 2001, de 19 de Novembro, in suplemento ao BO nº 38.
(3) Cfr. Judicial Protection of Human Rights at the National and International Level, vol. I, Dott. A. Giuffré Editore, Milão, 1991.
(4) Sobre esta questão, cfr. a intervenção que, na qualidade de Ministro Adjunto e da Cultura e Desportos, proferi na sessão solene de abertura da Conferência Nacional dos Direitos Humanos, in Plano Nacional de Acção para os Direitos Humanos e a Cidadania em Cabo Verde, edição do CNDH, Praia, 2004, 57.
(5) Sobre os desafios que se colocam aos direitos fundamentais nas sociedades dos nossos dias, cfr. Gomes Canotilho, O Tom e o Dom na Teoria Jurídico-Constitucional dos Direitos Fundamentais, in Estudos sobre Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, 115.
Para os direitos fundamentais em geral, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, Lisboa, 1993, e Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, 2002.
(6) Cfr. Gomes Canotilho, Métodos de Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias, in Estudos..., cit., 150.
(7) Claude E. Welch, Jr., Human Rights in Francophone West Africa, in Abdullahi Ahmed An-Na’im e Francis Deng (organizadores), Human Rights in Africa – Cross-Cultural Perspectives, The Brookings Institution, Washington, 1990, 186, 191.
(8) Onésimo Silveira, África ao Sul do Sahara – Sistemas de Partidos e Ideologias de Socialismo, Associação Académica África Debate, Lisboa, 2004, 117.
(9) Jorge Tolentino, Direitos Humanos ou uma certa saudade do futuro, Spleen Edições, Praia, 1999, 29. Momento importante nesse percurso é seguramente a Conferência Mundial sobre os Direitos do Homem (Viena, 14 a 25 de Junho de 1993), durante a qual foram adoptados esses textos fundamentais que são a Declaração e o Programa de Acção de Viena.
(10) Rosalyn Higgins, Problems and Process – International law and how we use it, Clarendon Press, Oxford, 1996, 96.
(11) Roberto Andorno, cit. por Patricia Jerónimo, Os Direitos do Homem à Escala das Civilizações – Proposta de análise a partir do confronto dos modelos ocidental e islâmico, Almedina, Coimbra, 2001, 256.
(12) Rhoda E. Howard, Group versus Individual Identity in the African Debate on Human Rights, in Ahmed An-Na’im e Deng, ob. cit., 177.
(13) Disponível no site www.ictr.org
(14) Ali A. Mazrui, The African State as a Political Refugee, David R. Smock e Chester A. Crocker (org.), African Conflict Resolution – The US role in Peacemaking, United States Institute of Peace Press, Washington, 1995, 9.
(15) Claude E. Welch, Jr., ob.cit., 193.
(16) Cfr. Goran Hyden, Sovereignty, Responsibility, and Accountability: Challenges at the National Level in Africa, in Francis M. Deng e Terrence Lyons (org.), African Reckoning – a Quest for Good Governance, Brookings Institution Press, Washington, 1998, 37. Entre nós, cfr. a perspectiva optimista do Primeiro Ministro, Dr. José Maria Pereira Neves, na conferência que proferiu na Brown University, EUA, em Setembro de 2003 (texto disponível em www.governo.cv). Para um densificado conceito de boa governação, cfr. As Grandes Opções do Plano – Uma Agenda Estratégica, edição da Chefia do Governo, Praia, 2002, 40. Esse documento foi aprovado através da Lei nº 8/ VI/ 2002, de 11 de Março (Boletim Oficial, I série, nº 7).
(17) A Constituição cabo-verdiana (artigo 27º, nº 2) opõe-se categoricamente à pena capital. Com a construção “em caso algum”, a nossa lei fundamental confere uma protecção absoluta ao direito à vida. Sobre este aspecto, e referindo-se ao dispositivo idêntico da Constituição portuguesa, ver Fernando João Ferreira Ramos, Extradição, Pena de Morte e de Prisão Perpétua, in A Inclusão do Outro, Studia Iuridica, 66, Coimbra, 2002, 106. Defendendo o abolicionismo “en el mundo entero”, Antonio Beristain, Desaparece la Pena de Muerte también en Illinois?, in Revista Direito e Cidadania, nº 16/17, Praia, 2003, 49.
(18) Laurent Gaudé, The Death of King Tsongor, The Toby Press, New Milford, CT, 2003.
A campanha Bloggers Unite for Human Rights aponta a que cada blog publique algo atinente à luta pelos Direitos Humanos. É assim que, com todo o gosto, retomo aqui o texto de uma intervenção por mim proferida no I Encontro Internacional de Direitos Humanos, Praia, 15 de Fevereiro de 2005.
Esse texto vem incluído no meu livro Cidadania e Liberdade – Palavras que escrevi, Praia, 2005.
1. Começo por exprimir a minha enorme satisfação por poder participar nesta belíssima iniciativa da Comissão Nacional para os Direitos Humanos e a Cidadania. Na pessoa da respectiva presidente, mui ilustre Dra Vera Duarte, agradeço o amável convite que me foi dirigido para estar aqui e assim poder compartilhar algumas ideias sobre a problemática dos direitos da pessoa humana no nosso continente. Infelizmente, não é com frequência que esta matéria é debatida entre nós. Andamos como que distanciados das coisas que vão acontecendo no continente: a música, a literatura, o cinema, o desporto, a política... Sabemos muito pouco disso tudo.
2. Entrando no tema que me coube, devo dizer-vos que desejo não fazer uma abordagem meramente descritiva, pois quero crer que não será isso o que mais interessará a uma tão bem informada plateia. Penso ser mais útil suscitar alguma problematização, justamente tentando acercar do âmago dos problemas e das realidades que existem antes e para além dos conteúdos normativos, e designadamente das convenções internacionais.
3. Naturalmente que irei fazer referência aos instrumentos internacionais, mas quero desde já enfatizar o seguinte: não me parece que o essencial da luta pelos direitos da pessoa humana em África tenha a ver com os quadros de regulação, senão que com condicionantes externas de diversa natureza. Externas à norma, quero eu dizer.
4. Mas, e para arrancar, falemos um pouco da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos.(1) Ela foi adoptada, a 28 de Junho de 1981, pela 18ª Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da OUA, então reunida em Nairobi. Entrou em vigor a 21 de Outubro de 1986. Dos instrumentos de âmbito regional, trata-se seguramente daquele cujo processo de gestação foi mais demorado. Como ponto de partida, costuma referir-se a um simpósio organizado em Lagos, por juristas africanos, em 1961. É então que surge a ideia de uma convenção africana sobre direitos do homem. Convem recordar que, entre 61 e 81, intercede uma panóplia de seminários e colóquios promovidos pelas Nações Unidas e pela Comissão Internacional de Juristas, sem esquecer as campanhas movidas por organizações não governamentais. É tudo isso que conduz à Carta adoptada no Quénia. Tudo isso, mas não apenas isso. Evidentemente que há também o exemplo de textos de âmbito geral e regional adoptados no período posterior à Declaração Universal de 1948.(2) Desde logo, os dois Pactos Internacionais de 1966. Mas igualmente a Declaração de 1960 sobre a outorga da independência aos países e povos coloniais. Sem esquecer, naturalmente, os dois instrumentos de vocação continental, a saber: a Convenção Europeia sobre Direitos do Homem, de 1950, e o “Pacto de San Jose da Costa Rica”, adoptado, em 1969, pela Organização dos Estados Americanos. Concretamente sobre o processo conducente à elaboração da Carta Africana, recomendo o estudo do nosso antigo Presidente da República, Doutor António Mascarenhas Monteiro, intitulado “La Charte Africaine des Droits de l’Homme et des Peuples”.(3)
5. Atingido este socalco, importa perguntar: o que é que a Carta Africana traz de novo? Ou, para utilizarmos a linguagem mais corrente, quais serão as especificidades dessa Carta?
5.1 Antes de mais, ela dedica um capítulo aos chamados deveres do indivíduo – artigos 27º e seguintes. Este tratamento é algo novo. Com efeito, a Convenção Europeia desconhece esta matéria, e a Convenção Americana, por sua vez, faz-lhe apenas uma brevíssima referência. Parece que esta inovação procurou responder ao entendimento segundo o qual, no contexto da sociedade tradicional africana, os direitos são inseparáveis dos deveres.
5.2 A segunda nota distintiva é o reconhecimento de direitos a determinados grupos. Desde logo, a família enquanto “o elemento natural e a base da sociedade”. Mas chamo a vossa atenção para o seguinte dispositivo: “O Estado tem a obrigação de assistir a família na sua missão de guardiã da moral e dos valores tradicionais reconhecidos pela comunidade” (Artigo 18º). Veremos mais à frente como os chamados “valores tradicionais” podem na verdade dificultar a efectiva realização de direitos.
Mas uma outra categoria que merece tratamento especial é a dos povos. “Todos os povos são iguais; gozam da mesma dignidade e têm os mesmos direitos. Nada pode justificar a dominação de um povo por outro” (Artigo 19º).
Outros grupos considerados são: as mulheres, as crianças, as pessoas idosas, as pessoas diminuídas. Importa reparar que intercede aqui uma discriminação positiva no sentido de que se estatui o direito a medidas especificas de protecção que correspondam às necessidades fisicas ou morais destes grupos.
5.3 Uma terceira marca de destrinça tem que ver com o facto de a Carta Africana cuidar directamente de aspectos atinentes aos chamados direitos económicos, sociais e culturais. Assim, o direito à saúde, o direito à educação, o direito ao trabalho. Na Europa estas questões não foram tratadas ex professo na Convenção de 1950, mas sim na Carta Social Europeia de 1961, sendo embora certo que o “direito à instrução” foi atendido pelo primeiro protocolo adicional, que foi adoptado em Paris, no ano de 1952. Já no que diz respeito ao continente americano, a Convenção de 1969 limita-se a consagar uma “cláusula compromissória” sob a epígrafe “desenvolvimento progressivo” (Artigo 26º). Será apenas com o Protocolo de São Salvador, de 1988, que o continente americano passa a contar com aquilo que se pode considerar, sem favores, uma verdadeira carta social.
5.4 A última especificidade que desejo apontar é esta: a Carta Africana inclui disposições relativas a direitos da terceira geração, como sejam o direito ao desenvolvimento, o direito a um ambiente saudável, o direito à paz e à segurança.
6. Durante muitos anos criticou-se o facto de a Carta Africana não consagrar uma instância jurisdicional de protecção dos direitos do homem, contrariamente ao que havia sido feito pelas duas convenções de âmbito regional que a precederam. Na verdade, a opção foi no sentido de criar a Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, com claras limitações no que diz respeito ao seu quadro de competências e ao tipo de relacionamento com o orgão colegial supremo da OUA. Independentemente de indagar pelas razões que terão conduzido a essa opção, o certo é que ela traduziu-se em alguma fraqueza no que concerne ao mecanismo de implementação da Carta Africana. Com razão se observou que, no plano da comparação dos sistemas, esse mecanismo era, no fundo, o mais politizado de todos.
Dito isto, urge referir que uma nova era foi aberta quando, em 1998, a 34ª Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da OUA, reunida em Ouagadougou, decidiu, finalmente, pela criação do Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos. Tal foi feito através de um protocolo adicional à Carta, o qual entrou em vigor a 25 de Janeiro de 2004, após o depósito do 15º instrumento de ratificação. Diga-se, de passagem, que Cabo Verde ainda não ratificou esse protocolo. Importa referir que, nos termos do artigo 2º do documento em apreço, o Tribunal “complementa o mandato protectivo da Comissão Africana”.
7. Para completar a referência aos instrumentos internacionais em matéria de direitos do homem de aplicação à escala continental, devo mencionar ainda os seguintes: a) a Convenção reguladora de certos aspectos do problema dos refugiados em África, adoptada em Adis Abeba, em 1969; b) a Carta Africana sobre os Direitos e o Bem-estar da Criança, adoptada também em Adis Abeba, em 1990; e, mais recente, c) o Protocolo adicional relativo aos Direitos da Mulher em África, o qual foi adoptado em Julho de 2003, em Maputo, pela Assembleia da União Africana.
8. Neste ponto, desejo sublinhar o seguinte: esse Protocolo relativo aos Direitos da Mulher em África é um documento que marca uma profunda viragem no que concerne aos direitos fundamentais da mulher africana. Fiz há bocado alusão aos chamados “valores tradicionais” da comunidade. Em relação a eles, este protocolo de 2003 representa uma verdadeira abertura no sentido da modernidade. Ele inscreve o “direito à dignidade inerente à pessoa humana”, inscreve “o direito à vida, à integridade e segurança da pessoa”, inscreve o casamento como um instituto no qual deve verificar-se o livre consentimento da mulher, inscreve a igualdade de direitos em caso de separação, divórcio ou anulação do casamento, inscreve o direito à herança, o direito à saúde reprodutiva, o direito à participação no processo político, o direito de acesso à justiça e a igual protecção perante a lei. Mais ainda, esse protocolo estatui claramente no sentido da proibição e condenação de todas as formas de práticas violadoras dos direitos fundamentais da mulher, com realce para a mutilação genital e para a imposição de cicatrizes. Repito: estamos perante um documento de viragem. Não percamos de vista que, nesta nossa África, as mulheres são a camada que, ao longo dos anos, mais tem sofrido com as violações dos direitos fundamentais, umas mais subtis que outras. Esse protocolo de Maputo vem fazer-lhes justiça. Ouso sugerir à Comissão Nacional para os Direitos Humanos e a Cidadania que promova uma alargada divulgação desse texto convencional, o que seria seguramente benéfico neste nosso país onde os direitos da mulher não estão ainda plenamente realizados.(4)
9. Com estas brevíssimas anotações relativas aos instrumentos de protecção dos Direitos do Homem em África, eu quis significar que não estamos mal a esse nível. Ou seja, as dificuldades não residem naquilo que se pode chamar o sistema africano de protecção en tant que tel. O problema está na aplicação de todo esse corpo de normas. No fundo, o problema é o da vivificação da norma no dia a dia da comunidade. Nunca é excessivo afirmar que as normas relativas a direitos fundamentais não podem ser letra morta; antes o contrário: têm de estar vivas e actuar na esfera de realização de cada ser humano.(5)
10. Se assim é a esse nível, temos então de lançar o olhar sobre o quadro de protecção ao nível das legislações nacionais. Do direito interno, se se preferir. Em finais do século XIX, o jurista alemão Heinrich Triepel escreveu o seguinte: “O direito internacional precisa do direito do Estado para cumprir as suas tarefas. Sem este, ele é, em muitas situações, um direito sem força. O legislador nacional desperta-o da sua falha de poder.”(6) Ora, sabemos que hoje em dia já não é bem assim. Temos os regimes de recepção do direito internacional no direito interno, existem as normas de aplicação imediata, há o princípio da interpretação e integração em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (veja-se o artigo 17º, nº 3 da Constituição cabo-verdiana) e, por último, há esse leque de normas que constituem o jus cogens, o qual representa um quadro paramétrico inclusivamente para o próprio poder constituinte. Como quer que seja, particularmente na ara dos Direitos do Homem, é intenso o relacionamento entre o direito internacional e o direito interno.
11. Visitemos por momentos a Constituição da República da África do Sul, de 1996. “Todo o indivíduo goza do direito à vida”; “Todo o indivíduo possui uma inerente dignidade e goza do direito a ter essa dignidade respeitada e protegida”; “Todos são iguais perante a lei e têm direito a igual protecção e beneficio da lei”; “Ninguém pode ser submetido a escravatura, servidão ou trabalhos forçados”. Faço dois comentários apenas. Primeiro, esse tipo de dispositivos era simplesmente impensável há escassos anos atrás, justamente porque o apartheid era a sua negação mesma; em segundo lugar, parece nitido que esses normativos inspiraram-se directamente na Declaração Universal de 1948, esse documento que, situado como está no espaço da chamada soft law, prossegue revestido de uma excepcional força ética. Mas mais importante ainda é que a Constituição do país de Mandela contem um claro regime de aplicação das normas relativas aos direitos fundamentais, consagrando os principios da aplicabilidade directa e da vinculação de entidades públicas (artigo 8º).
12. Julgo importante fazer ressaltar que no período posterior às independências nacionais em África, os líderes não eram muito propensos a que as constituições contivessem normas relativas a direitos fundamentais. O que era, no mínimo, uma gritante contradição. Se o colonialismo tinha sido a generalizada negação de direitos ao homem africano e se a luta contra a dominação colonial era, por isso mesmo, uma luta pela afirmação desses mesmos direitos, o normal seria verificar-se uma decidida consagração de catálogos de direitos fundamentais, bem como a efectiva realização dos mesmos. A verdade é que, em muitos casos, a fruição desses direitos ficou na dependência da boa vontade das lideranças políticas. Veja-se como rapidamente essas lideranças deram provas de intolerância e dureza no tratamento dos seus oponentes políticos. E é o documento nº 1 do Governo da Tanganika, de 1962, que sem vacilações defende que “o estado de direito fica melhor servido não por garantias formais num catálogo de direitos que suscita conflitos entre o executivo e o judiciário, mas sim por juízes independentes que administrem a justiça livres de pressões políticas”. Também num país como o Gana esta tese teve eco. Num outro nível, houve casos extremados como o Uganda dos tempos sanguinários de Idi Amin. Ou o caso de Jean-Bedel Bokassa que, após depor David Drecko, logo aboliu a constituição e instaurou na República Centro-Africana um regime simplesmente brutal. Ou de Hissene Hebre e o genocídio de minorias no Chade. Ainda no que à Tanzânia diz respeito, a consagração de direitos só ocorrerá com a Lei da 5ª Emenda, de 1984. Igualmente, um pouco por toda a África de fala francesa os Direitos do Homem representavam potenciais ameaças para as elites dirigentes, como faz notar Claude Welch, Jr. Nesse espaço geo-político, essas elites “com orgulho periodicamente citavam documentos históricos como a Declaração do Homem e do Cidadão ou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, ao mesmo tempo que prosseguiam políticas tendentes a restringir os direitos”.(7) Com efeito, tem-se defendido que as lideranças autoritárias viam na recusa da constitucionalização dos direitos uma forma de perpetuação do statu quo político, particularmente no que toca aos sistemas de partido único, estes de todo em todo apostados na sua própria longevidade. E é um autor cabo-verdiano, Onésimo Silveira, quem, na sua tese académica de 1976, assevera o seguinte: “O Partido Único, consequentemente, ao abraçar o conceito monista de poder para justificar o seu exercício de autoridade, encontra-se paradoxalmente numa situação semelhante à do antigo Estado colonial. É forçado a aplicar uma política autoritária face à crise de legitimidade, para manter o poder”.(8) Para o efeito que aqui assim nos interessa, os regimes africanos foram entendendo os Direitos do Homem como uma temática eurocêntrica, despida de qualquer vocação universalista, pelo que cada um era livre para lidar com os particularismos da sua própria coutada. Dito de outra forma, cada um era livre para, nos limites das suas fronteiras nacionais, tratar os cidadãos como bem entendesse. A própria Carta da OUA continha o bem conhecido princípio da não ingerência nos assuntos internos dos Estados. Veja-se que embora a organização continental tivesse a sua sede em Adis Abeba, curiosamente não se apercebeu dos tumultos que abalaram essa Etiópia manchada pelo “terror vermelho” de Haile Mariam Mengistu, esse déspota que, num espaço de quatro anos, levou a morte a 1.5 milhão de conterrâneos seus. Mas o que quero é sublinhar que as práticas abusivas entraram num ritmo de escalada no continente e, nisso tudo, parece óbvio que a comunidade internacional tem culpas no cartório. Tolerou os regimes despóticos; alinhou ou favoreceu o cinismo e permitiu o jogo do double standard. Isto é particularmente notório durante o período da Guerra Fria. Um discurso para fora, uma diferente prática dentro de casa. Aliás, um encargo essencial da diplomacia africana era o de manter boas relações entre os Estados africanos e com os outros Estados, pelo que o tema dos Direitos do Homem, potencialmente gerador de tensão, não podia constar da agenda diplomática. Mesmo a prática dos golpes de estado, que em regra conduziam ao linchamento de adversários ou, no mínimo, ao menosprezo pelos direitos essenciais de muitos cidadãos, só recentemente começaram a ser condenados pela então OUA.
13. Felizmente a situação global alterou-se, e alterou-se profunda e rapidamente. Penso ser de justiça recordar que, pela banda dos Estados Unidos, já a Administração Carter colocava ênfase institucional nesta matéria, justamente através do Bureau dos Direitos do Homem, em Washington. O certo é que esses direitos já não são um assunto entregue à livre disposição dos Estados, senão que ocupam um lugar cimeiro na agenda internacional. Afirmou-se claramente uma diplomacia dos Direitos do Homem, no desdobramento daquilo que, noutro lugar, referi como sendo o “vigoroso despertar da consciência da humanidade para a problemática dos Direitos do Homem”.(9)
14. Não me parece que este seja o momento apropriado para entrar nos meandros do debate entre os relativistas ou culturalistas e os universalistas. Por mim, sempre direi que continuo a encontrar justeza e pertinência nas palavras da Professora Rosalyn Higgins, precisamente quando ela diz o seguinte: “Acredito profundamente na universalidade do espírito humano. Os indivíduos, onde quer que se encontrem, desejam as mesmas coisas essenciais: ter suficientes alimentos e abrigo; ser capaz de exprimir-se livremente; praticar a sua própria religião ou abster-se de ter religião; sentir que a sua pessoa não está ameaçada pelo Estado; saber que não será torturado ou detido sem acusação e que, caso seja acusado, será julgado de forma justa. Acredito que nestas aspirações não há nada que possa ser dependente de cultura, de religião ou do estádio de desenvolvimento.”(10) Parece-me que não se pode negar que existe uma identidade humana universal. Isto é que deve ser o quadro de referência fundamental para todos, em todas as latitudes. Na verdade, “a noção de direitos humanos é a que tomou a dianteira no esforço moderno para expressar a dignidade humana”.(11) Cabe reparar que a Declaração do Cairo, de 1990, relativa a Direitos do Homem no Islão já entende que “todos os homens são iguais na sua essencial dignidade humana” (artigo 1º). De resto, é preciso ter em conta que o continente africano tem vindo a conhecer um processo de transformação e apropriação da modernidade. É verdade que por vezes há recuos, aqui e acolá, mas creio que a linha de evolução já está claramente implantada. Na síntese da Professora Rhoda Howard, “mudança social em África é um fenómeno algo óbvio”.(12)
15. Há alguns aspectos que, esses sim, me parecem dever ser aqui sublinhados, porque entroncam com a efectiva realização dos direitos da pessoa humana em África.Vou apontá-los, ainda que em ritmo acelerado.
15.1 Antes de mais, a questão da impunidade. Quem viola os Direitos do Homem, qualquer que seja a escala ou a intensidade, tem de ser responsabilizado e punido. Os sistemas de protecção têm de funcionar. É importante que os Estados africanos adiram ao instrumento que institui o Tribunal Penal Internacional, ou seja, urge que adiram ao movimento de globalização da justiça. Ele há-de haver responsáveis e agentes em Darfur, na Serra Leoa, na Libéria, na Cote d’Ivoire, na RDC... Sobre esta particular temática, tenho todo o gosto em sugerir a leitura do importante estudo do Dr. Adama Dieng, que foi distinto orador esta manhã, intitulado “Clarification of concepts: Justice, Reconciliation and Impunity”.(13) Parece-me ser de bom augúrio o apelo muito recentemente lançado pelo Secretário-Geral Kofi Annan no sentido da participação da União Europeia e da NATO para a resolução da vergonhosa situação prevalecente no Sudão.
15.2 Por outro lado, parece-me incontornável que se prossiga na via da consolidação de Estados de Direito Democrático em África, Estados que tenham sempre presente que os direitos fundamentais da pessoa humana integram o núcleo essencial dos bens constitucionais. Estados cujos órgãos legitimamente constituídos funcionem com normalidade e cumpram as suas obrigações. Estados que não sejam “refugiados políticos”, como diz o académico queniano, Ali Mazrui, ou seja, Estados que (sobre)vivem em sobressalto, sem raízes e na incerteza.(14) Há mesmo quem fale de “fragilidade do poder” e de “riscos pessoais da liderança”.(15) Por certo que todos ficamos indignados com os golpes de teatro monárquico como o que ocorreu agora em Lomé... Parece-me que, para o bom desempenho dessas realidades institucionais, é preciso contar com os protagonistas. Ou seja, é preciso que se afirmem novas lideranças apostadas em servir o bem comum, em realizar a boa governação, em contribuir para que a récita dos Direitos do Homem tenha efectiva precipitação no dia a dia dos homens, das mulheres e das crianças deste nosso continente. Como quer que seja, penso que há avanços animadores nesse sentido.(16) A própria União Africana tem tido um outro animus e um muito outro desempenho.
15.3 Importa não perder de vista que, para muitos africanos, persistem grandes e reais obstáculos a uma vida com plena fruição dos direitos fundamentais. Refiro-me à fome e à pobreza. Refiro-me também às doenças: Hiv – Sida, paludismo, tuberculose. Refiro-me ainda aos conflitos armados e seus efeitos devastadores sobre as pessoas e as sociedades, desde logo o doloroso fenómeno dos refugiados e deslocados, sem esquecer as crianças mobilizadas para a guerra, as mulheres violentadas pelos guerreiros, etc., etc. Permito-me recordar aqui o engajamento assumido pela comunidade internacional através desse texto fundamental que é a Declaração do Milénio: “Não pouparemos esforços para libertar os homens, mulheres e crianças das abjectas e deshumanas condições de extrema pobreza a que mais de um bilhão se encontram submetidos. Estamos empenhados a fazer do direito ao desenvolvimento uma realidade para todos e a libertar a humanidade da pobreza” (III, 11). Nesta linha, não deixa de ser auspiciosa a atenção que a problemática da luta contra a pobreza mereceu no recente Forum de Davos.
15.4 É importante que se afirme a cultura dos Direitos do Homem, sem a qual fica comprometido o futuro desses mesmos direitos. Eles não se impõem nem se desenvolvem num qualquer contexto. Antes pressupõem um ambiente de tolerância, sem lugar para o discurso do ódio. Requerem sociedades inclusivas, de aceitação do outro, diferente mas igual. Necessitam de espaços de liberdade, de igualdade, de solidariedade. Em suma, precisam da sociedade dos homens com a bondade que, na verdade, neles existe. Quero crer que será pela força dessa cultura dos Direitos do Homem que a generalidade dos países africanos acabará por chegar à abolição da pena de morte. Enquanto Diplomata, sempre me regozijei com a oportunidade de, particularmente em Genebra, significar o voto do meu país contra essa pena.(17) Penso que não há política criminal que justifique, nos nossos dias, o recurso a uma tal solução. Digo melhor: é essencial que os Estados se recusem o direito a matar. O Estado não é propriamente o guerreiro Katabolonga a quem pertence a vida do Rei Tsongor.(18)
16 Como ensina a nossa sabedoria popular, “conbersu sabi ê ladron di tenpu”. O prazer que encontrei no tema que me foi distribuído levou-me a fazer esta intervenção algo alongada. Peço desculpas por este facto e agradeço a vossa paciência. Muito obrigado.
Notas:
(1) A Carta vem publicada no 5º Suplemento ao Boletim Oficial nº 52, de 31 de Dezembro de 1986.
(2) A DUDH está publicada em Cabo Verde por força da Resolução nº 86/ 2001, de 19 de Novembro, in suplemento ao BO nº 38.
(3) Cfr. Judicial Protection of Human Rights at the National and International Level, vol. I, Dott. A. Giuffré Editore, Milão, 1991.
(4) Sobre esta questão, cfr. a intervenção que, na qualidade de Ministro Adjunto e da Cultura e Desportos, proferi na sessão solene de abertura da Conferência Nacional dos Direitos Humanos, in Plano Nacional de Acção para os Direitos Humanos e a Cidadania em Cabo Verde, edição do CNDH, Praia, 2004, 57.
(5) Sobre os desafios que se colocam aos direitos fundamentais nas sociedades dos nossos dias, cfr. Gomes Canotilho, O Tom e o Dom na Teoria Jurídico-Constitucional dos Direitos Fundamentais, in Estudos sobre Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, 115.
Para os direitos fundamentais em geral, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, Lisboa, 1993, e Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, 2002.
(6) Cfr. Gomes Canotilho, Métodos de Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias, in Estudos..., cit., 150.
(7) Claude E. Welch, Jr., Human Rights in Francophone West Africa, in Abdullahi Ahmed An-Na’im e Francis Deng (organizadores), Human Rights in Africa – Cross-Cultural Perspectives, The Brookings Institution, Washington, 1990, 186, 191.
(8) Onésimo Silveira, África ao Sul do Sahara – Sistemas de Partidos e Ideologias de Socialismo, Associação Académica África Debate, Lisboa, 2004, 117.
(9) Jorge Tolentino, Direitos Humanos ou uma certa saudade do futuro, Spleen Edições, Praia, 1999, 29. Momento importante nesse percurso é seguramente a Conferência Mundial sobre os Direitos do Homem (Viena, 14 a 25 de Junho de 1993), durante a qual foram adoptados esses textos fundamentais que são a Declaração e o Programa de Acção de Viena.
(10) Rosalyn Higgins, Problems and Process – International law and how we use it, Clarendon Press, Oxford, 1996, 96.
(11) Roberto Andorno, cit. por Patricia Jerónimo, Os Direitos do Homem à Escala das Civilizações – Proposta de análise a partir do confronto dos modelos ocidental e islâmico, Almedina, Coimbra, 2001, 256.
(12) Rhoda E. Howard, Group versus Individual Identity in the African Debate on Human Rights, in Ahmed An-Na’im e Deng, ob. cit., 177.
(13) Disponível no site www.ictr.org
(14) Ali A. Mazrui, The African State as a Political Refugee, David R. Smock e Chester A. Crocker (org.), African Conflict Resolution – The US role in Peacemaking, United States Institute of Peace Press, Washington, 1995, 9.
(15) Claude E. Welch, Jr., ob.cit., 193.
(16) Cfr. Goran Hyden, Sovereignty, Responsibility, and Accountability: Challenges at the National Level in Africa, in Francis M. Deng e Terrence Lyons (org.), African Reckoning – a Quest for Good Governance, Brookings Institution Press, Washington, 1998, 37. Entre nós, cfr. a perspectiva optimista do Primeiro Ministro, Dr. José Maria Pereira Neves, na conferência que proferiu na Brown University, EUA, em Setembro de 2003 (texto disponível em www.governo.cv). Para um densificado conceito de boa governação, cfr. As Grandes Opções do Plano – Uma Agenda Estratégica, edição da Chefia do Governo, Praia, 2002, 40. Esse documento foi aprovado através da Lei nº 8/ VI/ 2002, de 11 de Março (Boletim Oficial, I série, nº 7).
(17) A Constituição cabo-verdiana (artigo 27º, nº 2) opõe-se categoricamente à pena capital. Com a construção “em caso algum”, a nossa lei fundamental confere uma protecção absoluta ao direito à vida. Sobre este aspecto, e referindo-se ao dispositivo idêntico da Constituição portuguesa, ver Fernando João Ferreira Ramos, Extradição, Pena de Morte e de Prisão Perpétua, in A Inclusão do Outro, Studia Iuridica, 66, Coimbra, 2002, 106. Defendendo o abolicionismo “en el mundo entero”, Antonio Beristain, Desaparece la Pena de Muerte también en Illinois?, in Revista Direito e Cidadania, nº 16/17, Praia, 2003, 49.
(18) Laurent Gaudé, The Death of King Tsongor, The Toby Press, New Milford, CT, 2003.
A campanha Bloggers Unite for Human Rights aponta a que cada blog publique algo atinente à luta pelos Direitos Humanos. É assim que, com todo o gosto, retomo aqui o texto de uma intervenção por mim proferida no I Encontro Internacional de Direitos Humanos, Praia, 15 de Fevereiro de 2005.
Esse texto vem incluído no meu livro Cidadania e Liberdade – Palavras que escrevi, Praia, 2005.
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